Lição
do dia: próxima vez no Camboja, em vez de 40 equipamentos do Benfica, trazer uma
escavadora na mala. Isto de construir casas sem recurso a mão-de-obra
especializada só faz bem à carteira. Ao início chamava-lhe ginásio, hoje chamo-lhe
bem pior (é melhor não exemplificar). Até o mais velho, nascido e criado no
Camboja e habituado ao esforço físico, passou a tarde de pomada na mão e a
rodar os ombros com dores. Quão mau é se o levar às massagens no fim-de-semana?
3 dólares, 1 hora. Bem que podíamos experimentar.
Hoje
foram 4 horas a escavar e a empurrar tanques. À equipa de ontem, juntou-se um
rapaz português que acabou de chegar. Estão
a ver o tanque que tínhamos enterrado? Hoje, além da fazer igual com outro, tivemos
que lhe colocar um por cima. O buraco ficou com 2 metros, uma vez lá dentro é
uma guerra para sair. Maior guerra e tirar a terra lá de dentro. Amanhã
acabamos aquilo com recursos a baldes e uma corda para os puxar.
Depois da aula da tarde,
decidi ficar na brincadeira com eles. A nossa relação melhora dia após dia. Estamos próximos, cúmplices. Eu não
preciso de falar Khmer nem eles inglês para nos entendermos às mil maravilhas. Aliás,
não precisamos de nada. Não há bonecas nem legos, não há computador ou
playstation e somos muito mais felizes que as crianças portuguesas. Precisamos
apenas uns dos outros. Eu, pelo menos, preciso deles. Com eles, sou feliz
como nunca fui.
Além de um corte de ajudar num corte de cabelo, hoje passei mais tempo com as raparigas mais pequenas. A
elas, encho-as de cócegas enquanto rebolam na terra a rir à gargalhada.
Jogamos à apanhada, tenho que as apanhar a todas. Ando com elas em cima dos
meus pés. Meto-as ao colo e atiro-as ao ar. Andam nas minhas cavalitas ou
ombros, duas de cada vez. Pego-lhes nos braços e rodo sobre mim mesmo enquanto elas "voam". Uma vez sentado, adoram meter-se de pé ou deitadas todas apoiadas nas
minhas costas. Rimos, rimos muito e que bem que sabem os abraços que me dão, ou receber festinhas daquelas pequenas mãos enrugadas cheias de terra. Que bom que é andar e elas correrem para me darem a mão.
Hoje
estavam especialmente divertidas. Com o record de
vendas de terça no mercado, hoje o arroz deu lugar a massa. Pasta, italiano como eles diziam. A segunda vez na
história da Kilt. O Bel, que cozinhava alegremente, convidou-me para me juntar. Não gosto de aceitar a comida deles e,, inicialmente, rejeitei. Contudo, hoje não me deram hipóteses.
Fiz
várias tentativas de ir embora. Numa desapareceram com a minha bicicleta e
foram esconde-la algures lá fora. Noutra, esconderam-me os sapatos (lá anda-se
descalço). Noutra, as 4 mais pequenas fizeram birra e agarravam-se a mim sem me
deixar andar. Noutra, uma das miúdas de martelo na mão ameaçava bater-me. O
que eu me ri com ela. Pequenina de martelo na mão, pergunta “do you eat
with us?”, eu dizia que sim. Pousava o martelo e eu dizia “no”. Voltávamos ao
inicio. Seguiram-se os mais velhos, que me disseram que não havia problema em
comer com eles, havia massa para todos. Seguiu-se
o Bel que disse que eu já era da família e era um gosto poder retribuir o que fazia com as crianças,
era uma alegria que lhes dava. Perante isto claro que aceitei. Disse que sim, os pequenos festejaram e fui com mais 5 tratar das bebidas. Comprei 8 litros de sumo que veio substituir a água.
Os
miúdos, na sua excitação, fizeram a parte deles. Montaram uma mesa, foram
recolher os bancos da sala de aula e a meia-dúzia de cadeiras que têm e, pela
primeira vez, comeram todos sentados à mesa. O jantar era a tal massa mas
metida numa sopa, juntamente com papaia, batata, cenoura, ovos e umas folhas
que eles apanham das árvores. O prato maior era para o teacher Zé, assim como o
melhor lugar. Os lugares ao meu lado, os mais solicitados.
Começámos
então a comer. 2 minutos volvidos, começou a chover. A ideia de comer
sentados à mesa abortou logo, regressámos todos para o chão da cozinha, como
sempre. Ficou de noite, a trovoada começou e a luz foi-se. Foi passar de cavalo para
burro. Do jantar lindo cá fora à luz do dia, acabámos de pernas à chinês no
chão da cozinha, às escuras e a evitar os sítios onde chove lá dentro. A chuva
era tanta que os rabos ficaram encharcados. Ainda assim, foi dos melhores
jantares da minha vida. Eles riam-se comigo a tentar dizer palavras em Khmer,
gargalhadas atrás de gargalhadas. Depois decidiram tentar aprender português. Um
espectáculo.
Pelo
meio, tirámos infinitas fotos com a macacada habitual.
Quando
já eram realmente horas de me ir embora, os miúdos, dos mais pequenos aos mais
velhos, decidiram que eu devia dormir lá com eles. Estava a chover e ia ficar doente,
argumentavam. Acho que, tal como eu, já sentem que isto está a acabar e querem
estar comigo o máximo tempo possível. Tentar dormir no meio deles, com o calor
que se faz sentir naqueles quartos e com o barulho da chuva a bater no tecto de metal era um desafio que estava cheio de vontade de experimentar mas há limites. Há uma situação que tem que começar a gerida. Há
demasiado afecto de ambas as partes para me ir embora sem sequer ter data de
regresso definida. Vai custar…
Pois é! Construir casas sem recurso à mão de obra especializada faz bem à carteira mas puxa pelo físico. Deves vir com um "cabedal" de se lhe tirar o chapéu.
ResponderEliminarA tia Maria disse-me ontem que já tinha ido comprar bacalhau para a açordinha no dia que tu chegares.Esqueci-me de lhe dizer que não gostas de bacalhau (se calhar até já gostas) mas arranja-se uma pescadinha. De toda a maneira é uma coisa parecida com o que hoje por aí comeste: uma sopa com coisas a boiar.
As fotografias são mesmo caretas, ou és tu (a tentares) e os teus pequenos grandes benfiquistas a dialogar em khmer? Se for este último caso, ainda deve ser mais difícil que pronunciar o "th" assoprado em inglês.
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