Esforço
inglório o de madrugar hoje. Fui cedo para a Kilt como combinado, tínhamos uma
obra para fazer. Contudo, estamos na rainy season e hoje fartou-se de chover. O
normal é uma chuva forte ao fim da tarde, serve para lavar a roupa e o suor
acumulado durante o dia. Hoje
de madrugada chovia. Com chuva, não há obra.
Acabei
por ir cedo para a Kilt para nada. Ou melhor, para começar o dia da melhor
forma. Estavam lá todos os pequenos grandes benfiquistas quando cheguei. Há melhor maneira de começar o dia que ver aqueles sorrisos na minha direcção e ter abraços à chegada? Uns
começam as aulas as 7h, eram 8h ainda andavam por lá. Pensei em chatear-me com
o atraso mas estavam a comer o arroz tão pacifica e tranquilamente que deduzi que era normal. Na verdade, nunca vi um cambojano com pressa ou
stressado. Só os vejo a chegar sempre atrasados.
Quem
teve escola seguiu para a escola, quem não teve ficou num dos quartos. Eu, 5
pequenos grandes benfiquistas, um dos bebes e o gato. Entre desenhos, fotos e parvoíces
com o gato passámos o tempo até a chuva passar. Pelo meio o Sarath mostrou-me
como tinha salvo o meu desenho. Há uns dias fiz uma competição e pus-me a
desenhar com o mais velho. Perdi, ficou nojento. O Sarath viu, gozou comigo e
deu-lhe um toque de artista à bodega que eu tinha feito. Pintou e ofereceu-me. Mais um para a parede do meu
quarto. Mãe, é desta que a bandeira enorme do Benfica sai da parede. Lamento
informar mas vou trocar essa obra de arte por várias, desenhos atrás de
desenhos. Síndrome do Peter Pan, nada a fazer…
Seguimos
então para as obras da casa nova. O Sarath quis ajudar e pediu-me para vir
também. Aquele só não está comigo quando não pode. Fomos os 3, eu, ele e o mais
velho. No caminho eles pararam novamente no local do crime, a barraca que fez
passar um dia com febre e a despejar. Fomos cantando as músicas do Benfica. Eu
cantava/gritava como se a estrada para os templos se tratasse do estádio da luz. Eles tentavam imitar. Depois fizeram-me um pedido daqueles que mexem cá dentro. Pediram para antes de ir
embora lhes oferecer uma foto minha, só eu sem nenhum deles. Dizem que querem
guardar e meter na parede do novo quarto deles, para se lembrarem todos os dias do friend
Zé. O Sarath, o mais desenvergonhado que diz tudo a toda a gente, acabou a
conversa dizendo que eu ia para Portugal mas ficava no coração dele. Dei-lhe um
abraço e a certeza que eles todos também ficam no meu. E se ficam…
Falando
da obra, escavar, escavar e escavar. Fomos rodando entre os 3, um calor
infernal e… objectivo cumprido. Tanque submerso. Pelo meio comemos sandes de
atum (levei as latas e o pão, já não me enganam nos mercados locais), bebemos
sumos e muita, muita água.
Voltámos
então para a Kilt. Por coincidência eram horas das meninas saírem da escola.
Decidi passar por lá e fui busca-las à escola. Como um pai faz a um filho. Elas
adoraram e, no regresso a casa, em vez de 3 na mesma bicicleta, uma foi na minha. Já tem pneu novo,
já posso dar boleias. Volta
e meia, a Sokim dava-me abraços enquanto eu pedalava.
De
regresso à Kilt, foi tempo da "mostarda chegar ao nariz", mais uma vez.. Tinha combinado com a minha
colega que ela dava as aulas da manhã para eu ir para a obra. Ela simplesmente não apareceu, respondeu-me que ficou antes a dormir. Passei-me, os miúdos não podem deixar de ter aulas. O Bel deixa-nos fazer tudo, mas as aulas são
sempre a prioridade, tal como ficou provado ontem. Não sou ninguém para lhe
dizer o quer que seja. É voluntária, ninguém lhe paga para trabalhar mas às tantas, é
brincar com quem trabalha e é brincar com os miúdos. Hoje pedi apenas para me avisar quando decidir ficar a dormir que eu vou para as 6h para a obra e regresso as 9h para dar a aula.
Desabafos à parte…Hora
de almoço, também ela a correr. Comer, meter a roupa a lavar (pela última vez), mandar arrumar o
quarto, passar pela farmácia (uma das raparigas estava com dores de garganta de
manhã, à tarde a arder em febre) e pedalar `meia hora à procura de um campo de
futebol que não encontrei. Safou-me o mais velho que depois da aula da tarde, e
debaixo duma trovoada, me foi mostrar de bicicleta onde era o campo onde pouco
tempo depois, me estrearia nos relvados.
Sim,
11 cambojanos e um extra-comunitário (eu) tivemos hora e meia a jogar futebol. A chuva felizmente não parou de cair, de outra forma não suportava o calor. Eles são uns nabos, super trapalhões
mas correm, correm tanto. Não os dava apanhados. A equipa adversária estava equipada a rigor, camisolas da selecção cambojana. Eu adorei o jogo e percebi que
isto de ser pedreiro, pedalar para todo o lado e passar o dia a tentar ter mais
energia que 14 moços pequenos juntos me deu uma resistência invejável. Eles gostaram
de jogar com o português, afinal sou do mesmo pais que o Ronaldo. Pediram-me o
numero e sexta-feira, em principio, há novo jogo. Este foi combinado com o professor de Khmer duma aluna minha que conheci no mercado. Muito simpático,
convidou-me. A rapariga à tarde estava radiante por saber que os dois
professores dela iam jogar futebol juntos. Eu também estava todo contente.
Faço
o que gosto por cá, passo o dia numa correria, estou integrado e sou adorado por 14 pequenos grandes benfiquistas. São como que irmãos mais novos para mim, apenas mais escuros e muito mais divertidos e suportáveis que a irmã mais velha. Eles idolatram-me como mais ninguém idolatra, eles precisam de mim como mais ninguém precisa. Não quero ir embora...
Não te esqueças da meia para jogar à bola.
ResponderEliminarNão penses que são só esses miúdos que te idolatram, por cá há muita gente que gosta muito de ti e te admira, a forma de o fazer é que é mais à ocidental.
Teacher Zé:
ResponderEliminarNão há dúvida que és um excelente professor. Cá te espero para me ensinares "computadores". Só precisas paciência e podes ir petiscando umas bolachas sempre que quiseres.
Beijinhos dos avós...
Finalmente alguma decisão desse lado. Assim aumentam as probabilidades de levar os pais ao Cambodja para o teu casamento. Estás muito bem por ai!
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