segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Hora de massagem!

Magnata Zé, é assim que se resume o dia de hoje.
Voltei a ter tempo livre, finalmente. Descansei, finalmente. Após dias seguidos a madrugar, hoje acordei “apenas” às 8h. Melhor, voltei a dar aulas – uma de manhã e outra à tarde como seria habitual não tivesse eu decidido ser tudo e mais alguma coisa para além de professor. 2 horas de manhã, 2 horas à tarde e como é bom ser um voluntário normal. Ter tempo livre nesta cidade maravilhosa.
Hoje nesse tempo livre que voltei a ter, tratei de mim, armei-me em p*** fina. À hora de almoço tratei de ir às compras. 2 calções e uma camisa de marca, aos preços de cá. Seguiu-se o Hard Rock. Copo de shot comprado para juntar à colecção e almocei por lá. Aos preços de cá, foi caríssimo. Mesmo assim, foi o preço normal duma ida ao restaurante em Portugal. Soube a pato…
O melhor estava para vir, mais ao fim da tarde. 
Nas ruas da cidade, há duas frases típicas, daquelas que se ouvem em qualquer virar de esquina: “Tuk-tuk, sir?” e “Massage, Sir?”. Hoje, pela primeira vez na vida, disse que sim à segunda. 1 hora de massagem, corpo todo. Mais uma vez, aos preços de cá. A brincadeira além de super barata, fez milagres. As dores nas pernas, nos braços, nas costas… já eram. Ficou apenas a dor no ombro que, mesmo assim, está por metade. Parece que sai de lá bem mais leve, mas com uma bonita camada de óleo espalhada pelo corpo. Já tomei banho, mas continuo todo oleoso. Quanto à massagem em si, um quarto com colchões (até que era limpinho), um Zé apenas de toalha e uma cambojana que não falava nada de inglês a massajar. Que luxo. Só para esclarecer as mentes mais informadas e/ou perversas: sim, as massagens de cá e do sudeste asiático em geral, são muito faladas pela badalhoquice que se podem tornar. Certifiquei-me que ia a um sítio onde não viriam propostas indecentes.
Mais um experiência nova, a juntar a tantas outras. Faço e vivo de tudo nesta cidade maravilhosa. Do melhor ao pior, do pior ao melhor. Apesar dos luxos ao preço da chuva, o que realmente me deixa contente e feliz são as coisas mais simples. São os meus pequenos grandes benfiquistas que são a simplicidade em pessoa. Apesar das compras, do enorme hambúrguer ou da massagem, as melhores horas do dia foram passadas na Kilt com eles. Lá não há luxos, há muito pouca coisa mesmo. Com o que existe, fazemos nós a festa. Hoje com um simples tubo, rimos às gargalhadas. Também houve macacadas e também adoraram fazer desenhos na t-shirt branca do teacher Zé. Somos simples, espontâneos e verdadeiras. Somos amigos, somos família e isso chega-nos para passarmos momentos inesquecíveis. Tanto que me ri hoje, tanto que eles se riram hoje…

















Nem tudo foram rosas na Kilt. Da doença, estamos quase todos curados. Hoje apareceu apenas a Bonita doente e, dos que já estavam, continua apenas um dos bébes a arder em febre. À tarde, seguiu para o hospital. Eu desse, não sei tratar. Ou melhor, nem arrisco.
A parte mais difícil também está a chegar. Estamos oficialmente na minha ultima semana por cá. Hoje disse isso às mais pequenas e a reacção partiu-me o coração. Uma com um olhar triste pedia-me para não ir embora. Outra fez igual pedido. Disse-lhe que ia segunda, pediu para, pelo menos, ficar até terça. Disse que ia mas um dia voltava e para não ficar triste porque a outra professora ia continuar mas de nada serviu, diz que me quer a mim. O Somen, nos seus 10 anos, diz que vai estudar para um dia ter dinheiro e me ir visitar a Portugal. O Sarath, nos seus 13, aparece-me com uma tatuagem (como ele lhe chama) no braço. Um coração e a seguinte frase: "Sarath, I love Zé". Ontem decidiu também chamar-me father Zé, ele que não tem pai, em vez de friend. Eu mudei o father para brother, e os que estavam presentes tornaram-se todos meus irmãos também. Os mais velhos percebem que tenha que ir embora e voltar à minha realidade, mesmo que eu próprio não queira, e "apenas" me dizem que vou mas fico no coração deles e me pedem para voltar assim que possível. Entretanto, prometem mandar mails e combinámos que tudo o que eles precisassem me ficariam de dizer para juntos encontrarmos uma solução.



domingo, 30 de agosto de 2015

Qualquer criança merece um brinquedo para brincar!

Ontem escrevi aquele paupérrimo texto que, resumidamente, dizia: "quero despachar isto e ir dormir". A teimosia fez-me escrever. Já que tenho escrito todos os dias desde que cheguei, não é agora que vou falhar. Enquanto escrevia pensava: amanhã logo compenso. Durmo bem, muito e tenho tempo livre para pensar numas boas postas de pescada para escrever. Depois, mesmo antes de adormecer fui ver os mails e eis que surge isto dos meus pequenos grandes benfiquistas: 
"ze tomorrow i neet you help at 7.15.
good night ze see you tomorrow."
Ainda não foi hoje o merecido descanso. 7.15 na Kilt com a noticia de que o Benfica ganhou. Enquanto eles comiam o seu arroz para o pequeno almoço, foram vendo os vídeos dos golos, do voo da águia e da claque a cantar. (Obrigado tio Zé pelos vídeos). Eles ficaram fascinados, só diziam "oh my God", "a lot of people" e afirmavam "Benfica is very big". Começámos bem o dia.
Segui com os rapazes mais velhos para a casa nova. Falaram-me das suas namoradas, um mostrou-me as fotos. Outro, o Chamerong que estava triste no outro dia, acabou por desabafar comigo. Frustrado dizia-me que não tem dinheiro nem telemóvel e foi trocado por um que tem. O Sovann acrescentou que no Camboja quem namora é que tem dinheiro, eles que não têm fica difícil. Lá lhes expliquei as raparigas a sério gostam das pessoas e não do dinheiro, que as pessoas interessam o resto não. Também lhes disse que eles não tinham dinheiro e eu tinha pouco mas não é por isso que gostávamos menos uns dos outros. Isso mais o Sarath com a sua nota de 500 (equivalente a 12,5 centimos) afirmando que estava rico e que por isso é que tinha namorada, resolveu o problema e não houve mais tristezas.
Na obra, há mais 3 tanques para enterrar. Também mudámos algumas árvores de sitio para ter espaço para as casas de banho e para o hotel para as galinhas, como eles lhe chamam. Escavamos, arrancámos as árvores com a raiz e colocamos onde eles queriam. Teve piada. Árvores de fruto, o que é óptimo para eles. Quanto aos tanques esqueçam, estamos todos cansados e com dores nas costas e braços. Os 5 já não tivemos força para fazer o que apenas 3 fizeram quinta. Eles só diziam "very tired". Eu além de "tired", hoje sentia-me doente. Não admira dado que os miúdos doentes da Kilt procuram o colo do teacher Zé para descansar. Parte boa: a doença foi só febre e dores de cabeça, os intestinos, desta vez, estão impecáveis. 

Regressados à Kilt, tínhamos um almoço fantástico à nossa espera. O Bel convidou-me para almoçar com eles, disse que as crianças mais pequenas já tinham comido e ia sobrar bastante. Foi carne, carne para todos. Tão bom de ver e comer. Isto porque ontem chegámos aos 3 dígitos no mercado, pela primeira vez na história. Assim, há mais comida para além de arroz. A todos os que contribuem com encomendas, muito obrigado. Aos que ainda querem contribuir, digam-me o quanto antes porque já não há muitos dias. Talvez só lá vá mais na terça-feira.
Entre as obras e o almoço, tempo para ir resolver um assunto que estava em falta. Qualquer criança merece ter um brinquedo para brincar. É isto que defendo, foi para isso que trabalhei nos últimos 3 dias. Decidi oferecer um presente a cada um dos meus pequenos grandes benfiquistas. Uma coisa escolhida por eles.
Sexta-feira fui com as raparigas às compras, todos de bicicleta. Na minha, levava mais 2. O regresso foi épico. Transito de cá, 3 numa bicicleta e trovoada.  As pequenas cá atrás  só diziam "fast Zé". Eu obedeci e tivemos sorte, ainda não foi desta que me espetei na bicicleta. 
As 6 raparigas numa loja cheia de brinquedos. Tiveram mais de meia-hora para escolher. As 4 mais pequenas queriam tudo o que agarravam, as 2 mais velhas não sabiam o que queriam. Por fim, foram uns lápis de cor para a Bonita (5 anos), uns "telemóveis" que dão musica para a Sokay, Soklay e Sokim (5, 8 e 9 anos), 3 vernizes para a Sochea (12 anos) e 3 sabonetes para a Tida (14 anos). Eles escolheram, eu tive o gosto de oferecer e tenho o prazer de agora, quando chego à Kilt, ouvir aquele som irritante dos telemóveis que elas não largam ou de ver a Sochea com as unhas das mãos e dos pés pintadas. 






Ontem. foi tempo de ir com o Sopan e o Somen (10 e 11 anos). Quiseram uns arcos com umas flechas. Impressionante como a brincar com aquilo eles acertam onde querem. Já eu, não mando uma para caixa.





Hoje, finalmente, foi tempo de ir com os mais velhos. Depois de verem toda a roupa e mais alguma, os equipamentos de futebol acabaram por ganhar. 3 equipamentos e 1 carteira para o Sovann que não tinha e já vai ganhando algum dinheiro. 


 

Se duvidas houvessem, estão desfeitas. Quanto menos se tem, mais valor se dá o que se tem. Impressionante a alegria dos pequenos grandes benfiquistas. Como é fácil alegrar estes miúdos... 









sábado, 29 de agosto de 2015

Na Kilt tudo é partilhado, incluindo as doenças

Sábado é dia de touch a life. Hoje com uma presença muito especial para mim. O meu aluno mais velho foi comigo. Numa troca de e-mails na semana passada disse-lhe que estava a cozinhar 660 refeições para crianças que não têm o que comer. Ele, bom rapaz como é, disse-me que da próxima queria ir comigo. Disse-me que gostava de ajudar e dar comida a quem não têm. Na verdade, quando falta comida na Kilt, é ele que faz por resolver a situação. Vai pescar ou simplesmente faz por arranjar ele próprio dinheiro para comprar comida para todos. Mais uns quantos pequenos grandes benfiquistas pediram para ir também mas, apesar dos enormes corações e da realidade em que cresceram, achei por bem dizer que era para maiores de 18. Eles sabem o que é ter fome, talvez por isso tanta vontade de ajudar. O Sovann ficou encantado com a sopa e a omelete que cozinhou, está habituado a arroz e pouco mais.
Ele adorou, fez novos amigos Cambojanos e à saída quis decorar onde era a casa para continuar a ir mesmo sem mim. Disse-me que estava muito feliz por ter ajudado tanta criança. Não foi ele à vila entregar a comida. 
Na verdade, quando acabamos de cozinhar seguimos para a Kilt. Tive que ir lá apesar de ser fim-de-semana, como se isso fosse um sacrifício. Na Kilt tudo é partilhado, incluindo as doenças. Quinta-feira uma das pequenas estava doente, tratei dela e já está boa mas... Ontem estavam mais 2 , e hoje outros 2. Eu também já vou sentindo qualquer coisa. Não admira, eles mesmo doentes e arder em febre não param, aliás param abraçados a mim ou uns aos outros. O que está pior é um dos recém-nascidos, transpira por todos os lados. Ali há medicamentos mas poucos, eu faço o que posso e vou lá entregar de vez em quando. Dou-lhes à boca e deixo lá mais 1 ou 2 por pessoa doente, não deixo mais porque eles não respeitam horas nenhumas nem sabem ter juízo a tomar aquilo mesmo que eu tente explicar aos mais velhos. Rebuçados anti-inflamatórios para a garganta, que é do que todos eles se queixam, todos querem tomar. Assim, o doctor Zé vai lá distribuir e faz o que pode. Assim, enquanto uns vão ficando doentes há outros a melhorar. Daqui uma semana já todos devemos ter estado doentes e já todos devemos ter recuperado.
Ao fim da tarde foi dia de mercado. Despachei mais umas encomendas e foi um grande dia de vendas. Comprei também mais um colar - fizeram um com a letra Z para o teacher, e um quadro a um rapaz que se juntou aos meus miúdos nas vendas. Não tem um braço (a Kilt destina-se a ajudar pessoas com deficiências físicas) e desenha incrivelmente bem. Na semana passada ele ofereceu-me um quadro. 2 peixes que dão sorte, disse ele. Ofereceu-me porque apesar de mal me conhecer, o seu irmão Bel (como ele lhe chama) falou-lhe de mim e disse-lhe que andava a ajudar bastante aquelas crianças e instituição.

E pronto, agora vou dormir porque até já nas obras deitado na terra cheia de aranhas e bichos eu adormeci. Nos últimos dias não me lembro de ter dormido mais de 6 horas por noite, lembro-me apenas de pedalar 1 hora (meia para lá meia para cá) até à casa nova, andar a correr que nem um maluco nos jogos de futebol, fazer torneios de flexões com todos os rapazes, andar com 2 e 3 raparigas ao colo constantemente e a escavar umas boas horas. Pode estar calor, barulho e bichos, já durmo em todo o lado. No meio disto, o impossível aconteceu. Decidi que não vou acordar as 2.45 para tentar ver o Benfica ou as 5 para ver o resultado. Mesmo com o Eliseu na lateral e o Rui Vitória no banco, sei que durmo descansado!
Apenas deixar um abraço de parabéns ao meu primo Diogo e um grande beijinho àquela que de entre todas as minhas amigas, é a mais bonita. Mafalda, vai muito tempo já que não te vejo, vai mais um aniversário de um nós sem o outro estar presente. Espero que esse jantar esteja ao nível dos nossos jantares em Madrid, que os presentes te animem tanto ou mais que o Jorge e o Gonçalo após uns valentes copos da sangria assassina. Saudades nossas!

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Pequenos grandes benfiquistas no relvado!

Mais um dia desgastante. Os vídeos não deixam duvidas, metam-lhe só os 90% de humidade em cima. Metam também um bocadinho mais de bronze nos meus braços. É fim Agosto e estão neste estado, inédito. Lá está, pedreiro que é pedreiro tem os braços assim. Hoje cumprimos o primeiro objectivo, 3 tanques enterrados. Primeiro passo para a futura casa de banho dos pequenos grandes benfiquistas dado. Aos habituais, juntaram-se mais 3. Os outros dois dos mais velhos e um amigo. Os 6, hoje com direito a musica, passámos a manhã a escavar alegremente. Pelo meio, como sempre, há a pausa para os sumos que o friend Zé vai buscar e o pão com atum ou chocolate que leva na mala. 























Regressados à Kilt, houve show de bola. As pequenas e os pequenos grandes benfiquistas a mostrarem-me as suas habilidades. Eu bem tento mas não passo disso mesmo, tentativas falhadas. Também me roubaram o telemovel para andarem a tirar selfies. Enquanto isso, virei mecânico e arranjei a bicicleta da Sochea que tinha a corrente solta e o pneu preso. Depois da terra da manhã, era o que as minhas mãos precisavam para ficarem no ponto. Não há dia em que uma das bicicletas não dê problemas, estão todas a cair de podre e eles não tem outras. Várias vezes,, têm que andar 3 na mesma. 
 

















O final de tarde foi épico. Quarta-feira como contei, estreei-me nos relvados cambojanos. Campo sintético com balizas. Hoje, voltaram-me  convidar mas... rejeitei.  Calma meus amigos, ainda não torci o pé nem estou diferente ao ponto de rejeitar um jogo de futebol. Simplesmente, decidi fazer melhor. Eu estreei-me no campo a serio, faltava estrear-me mas a jogar em casa. Ou seja, jogar com os meus pequenos grandes benfiquistas. Hoje, a lama da Kilt deu lugar ao relvado sintetico. Eles, ainda assim, preferem jogar descalços. Na verdade, alguns não tem ténis.  
O jogo ter sido hoje tem uma explicação. Ontem o Chamrong, um dos pequenos grandes benfiquistas, estava incrivelmente triste e chateado. 16 anos, a adolescência chega a todos. Quando cheguei para a aula da tarde estava a dormir, quando regressei ao quarto para ver dele estava sentado na cama a olhar para o vazio de lágrimas nos olhos. Entrei, entrei devagarinho e tentei falar com ele. O teacher virou psicólogo. Mentira, o teacher é um amigo que só não faz o que não puder para os ver alegres. Não me quis explicar bem o que se passou, contou o básico. Também não o quis encher de perguntas. Pus 2 regras, só podia estar um dia triste, se hoje tivesse lutávamos (hoje quando cheguei a primeira coisa que me disse foi: “Zé, I am happy”). Segunda, combater a tristeza. Disse-lhe que quando estava triste procurava estar com os meus amigos ou jogava futebol e ficava logo melhor portanto ia fazer o mesmo com ele. Peguei nele e fomos reservar o campo para hoje. O acordo foi que eu e os pequenos grandes benfiquistas eramos uma equipa, ele e os seus amigos faziam outra. Hoje, todos juntos, andámos para ali uma hora a correr atrás duma bola. Pormenor importante, a equipa da Kilt tinha como nome um tal de Benfica, já ouviram falar? No fim, o Benfica ganhou. O Chamrong, apesar da derrota, estava todo contente. Já ontem com a excitação do jantar estava. Depois de libertar energia a dar machadadas num tronco de arvore que servirá para aquecer a comida, acalmou e no fim da noite, depois de jantar,, já cantava como ele tanto gosta e fazia dos tachos do jantar uma bateria.
P.S.: O jogo foi à chuva pelo que só deu mesmo para esta ridicula foto. Para a semana há mais.


quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Teacher vai dar aula e quase fica para dormir!

Lição do dia: próxima vez no Camboja, em vez de 40 equipamentos do Benfica, trazer uma escavadora na mala. Isto de construir casas sem recurso a mão-de-obra especializada só faz bem à carteira. Ao início chamava-lhe ginásio, hoje chamo-lhe bem pior (é melhor não exemplificar). Até o mais velho, nascido e criado no Camboja e habituado ao esforço físico, passou a tarde de pomada na mão e a rodar os ombros com dores. Quão mau é se o levar às massagens no fim-de-semana? 3 dólares, 1 hora. Bem que podíamos experimentar.
Hoje foram 4 horas a escavar e a empurrar tanques. À equipa de ontem, juntou-se um rapaz português que acabou de chegar. Estão a ver o tanque que tínhamos enterrado? Hoje, além da fazer igual com outro, tivemos que lhe colocar um por cima. O buraco ficou com 2 metros, uma vez lá dentro é uma guerra para sair. Maior guerra e tirar a terra lá de dentro. Amanhã acabamos aquilo com recursos a baldes e uma corda para os puxar.










Depois da aula da tarde, decidi ficar na brincadeira com eles. A nossa relação melhora dia após dia. Estamos próximos, cúmplices. Eu não preciso de falar Khmer nem eles inglês para nos entendermos às mil maravilhas. Aliás, não precisamos de nada. Não há bonecas nem legos, não há computador ou playstation e somos muito mais felizes que as crianças portuguesas. Precisamos apenas uns dos outros. Eu, pelo menos, preciso deles. Com eles, sou feliz como nunca fui. 
Além de um corte de ajudar num corte de cabelo, hoje passei mais tempo com as raparigas mais pequenas. A elas, encho-as de cócegas enquanto rebolam na terra a rir à gargalhada. Jogamos à apanhada, tenho que as apanhar a todas. Ando com elas em cima dos meus pés. Meto-as ao colo e atiro-as ao ar. Andam nas minhas cavalitas ou ombros, duas de cada vez. Pego-lhes nos braços e rodo sobre mim mesmo enquanto elas "voam". Uma vez sentado, adoram meter-se de pé ou deitadas todas apoiadas nas minhas costas. Rimos, rimos muito e que bem que sabem os abraços que me dão, ou receber festinhas daquelas pequenas mãos enrugadas cheias de terra. Que bom que é andar e elas correrem para me darem a mão.
Hoje estavam especialmente divertidas. Com o record de vendas de terça no mercado, hoje o arroz deu lugar a massa. Pasta, italiano como eles diziam. A segunda vez na história da Kilt. O Bel, que cozinhava alegremente, convidou-me para me juntar. Não gosto de aceitar a comida deles e,, inicialmente, rejeitei. Contudo, hoje não me deram hipóteses.
Fiz várias tentativas de ir embora. Numa desapareceram com a minha bicicleta e foram esconde-la algures lá fora. Noutra, esconderam-me os sapatos (lá anda-se descalço). Noutra, as 4 mais pequenas fizeram birra e agarravam-se a mim sem me deixar andar. Noutra, uma das miúdas de martelo na mão ameaçava bater-me. O que eu me ri com ela. Pequenina de martelo na mão, pergunta “do you eat with us?”, eu dizia que sim. Pousava o martelo e eu dizia “no”. Voltávamos ao inicio. Seguiram-se os mais velhos, que me disseram que não havia problema em comer com eles, havia massa para todos. Seguiu-se o Bel que disse que eu já era da família e era um gosto poder retribuir o que fazia com as crianças, era uma alegria que lhes dava. Perante isto claro que aceitei. Disse que sim, os pequenos festejaram e fui com mais 5 tratar das bebidas. Comprei 8 litros de sumo que veio substituir a água. 
Os miúdos, na sua excitação, fizeram a parte deles. Montaram uma mesa, foram recolher os bancos da sala de aula e a meia-dúzia de cadeiras que têm e, pela primeira vez, comeram todos sentados à mesa. O jantar era a tal massa mas metida numa sopa, juntamente com papaia, batata, cenoura, ovos e umas folhas que eles apanham das árvores. O prato maior era para o teacher Zé, assim como o melhor lugar. Os lugares ao meu lado, os mais solicitados.
















Começámos então a comer. 2 minutos volvidos, começou a chover. A ideia de comer sentados à mesa abortou logo, regressámos todos para o chão da cozinha, como sempre. Ficou de noite, a trovoada começou e a luz foi-se. Foi passar de cavalo para burro. Do jantar lindo cá fora à luz do dia, acabámos de pernas à chinês no chão da cozinha, às escuras e a evitar os sítios onde chove lá dentro. A chuva era tanta que os rabos ficaram encharcados. Ainda assim, foi dos melhores jantares da minha vida. Eles riam-se comigo a tentar dizer palavras em Khmer, gargalhadas atrás de gargalhadas. Depois decidiram tentar aprender português. Um espectáculo.
Pelo meio, tirámos infinitas fotos com a macacada habitual. 
Quando já eram realmente horas de me ir embora, os miúdos, dos mais pequenos aos mais velhos, decidiram que eu devia dormir lá com eles. Estava a chover e ia ficar doente, argumentavam. Acho que, tal como eu, já sentem que isto está a acabar e querem estar comigo o máximo tempo possível. Tentar dormir no meio deles, com o calor que se faz sentir naqueles quartos e com o barulho da chuva a bater no tecto de metal era um desafio que estava cheio de vontade de experimentar mas há limites. Há uma situação que tem que começar a gerida. Há demasiado afecto de ambas as partes para me ir embora sem sequer ter data de regresso definida. Vai custar…