sexta-feira, 24 de julho de 2015

A casa da rapaziada!

Mais um “movie day” (a escolha foram os minions) e um dia sem ter que dar aulas. Não sei se lembram mas às sextas não há aulas de inglês. Contudo, não notei grande diferença do dia de hoje para o resto dos dias da semana. Simplesmente, tinhamos um computador, que volta e meia se desligava sozinho, para onde os miúdos no meio da brincadeira espreitavam. Comprei gomas para acompanhar. Eu não vi nada do filme, eles muito pouco. Entre a palhaçada e 2 recém-nascidos que também lá estão - um deles chora sempre que me aproximo dele (mais uns dias a tentar  e a apanhar sol de modo a ganhar uma cor mais familiar, e deve passar), o dia fez-se. Também houve jogo de bola, como sempre.

Logo de manhã, quando cheguei estava por lá uma senhora que foi entregar sopa aos miúdos. Perguntei se aquilo é frequente mas a resposta foi não. Eles adoraram e, cada um com o seu saco de plástico, comeram literalmente até à última gota. À tarde, tiveram direito a melancias. Impressionante como todos eles me ofereciam um bocado. Por razões óbvias não aceitei nada, mas nunca vi sentimento de partilha tão grande como naquela casa.
O mais velho de manhã veio-me mostrar outro desenho que tinha feito e perguntar-me o que achava (muito bom como podem ver), à tarde quando cheguei estava a fazer outro (com os lápis oferecidos por si, tia Maria). Amanhã vou com ele para o mercado testar o produto. Hoje rezo para que todo o entusiasmo, que consegui dar-lhe, não se desvaneça este fim-de-semana, até porque o rapaz é realmente bom. O desenho que mostrei ontem, entretanto, foi partilhado no facebook. Mostrei isso ao rapaz que ficou fascinado por ver a sua pintura publicada e partilhada. Obrigado professor João Nunes, às vezes gestos banais e, na nossa cabeça, inconsequentes acabam por alegrar os outros. Tenho aprendido isso diariamente desde que cheguei e este foi sem dúvida um bom exemplo disso.

Entretanto falo muito dos miúdos e da instituição (são o meu dia-a-dia) mas reparo que nunca a retratei, nem tão pouco a tratei pelo nome. O resto do post de hoje serve, então, para vos dar a conhecer a casa onde moram os meus pequenos grandes benfiquistas e, onde tenho passado dos melhores momentos da minha vida. Casa onde não há televisão, sofá, máquinas de lavar, saneamento básico ou a boa da açorda mas onde, todos os dias, me sinto feliz e em casa, apesar dos mais de 10.000 kms de distância à minha. Se existe algo que aprendi aqui, com os pequenos grandes benfiquistas e este povo, é que a verdadeira razão de nos sentirmos em casa e felizes não vem dos bens materiais, mas sim das pessoas que nos esperam. Sem nada, aquela casa dá-me tudo.
Bem-vindos à instituição, bem-vindos à KILT. KILT significa “Khmer Independent Life Team” e tem como objectivo ajudar Cambojanos vítimas de minas, doentes de pólio e crianças de famílias desfavorecidas. O seu fundador e ainda responsável por tudo, Bel de seu nome, foi um dessas vitimas tendo a sua perna direita sido amputada quando tinha 7 anos. Dá suporte a 8 adultos e às 14 crianças. Todos vivem do que conseguem vender que, infelizmente, é mesmo muito pouco e insuficiente.
Cercada por um muro, (de tijolo!) à entrada temos um portão que disfarça muito bem aquilo que está lá por dentro. Entramos e ao fundo (espaço não falta por ali) temos a árvore, onde paro a bicicleta diariamente e onde fazemos macacadas. 

À esquerda a nova sala de aula - um cabana com 2 mesas a cair de podre e 2 bancos. À direita temos a casa, muito pequena, com 2 quartos e uma “sala de estar” (digo assim porque não sei que nome lhe chamar - tem uma rede onde, por norma, está lá sempre alguém deitado e pouco mais).
Sala de Aula

Casa










Em diante, um autêntico descampado que serve de campo de futebol diariamente. 
À direita, a cozinha. Aquele sitio onde não chove e que devem ter pensado que era maravilhoso. Não é mais que aquilo que podem ver pelas fotos, não há electrodomésticos, apenas umas panelas, uns pratos, uns copos e um local onde eles fazem fogo para aquecer a comida. 
Em frente, os quartos dos miúdos, os 14 distribuem-se por 3 quartos, por meia-dúzia de camas que nem colchão têm. Cada um tem o seu canto para as suas coisas, que são pouco mais que 3 ou 4 peças de roupa que, por certo, se a minha mãe as visse diria “isto nem para trapo dá”. O armário para as coisas deles, muitas vezes, não é mais que uma corda. As paredes e o tecto dos quartos são placas de metal que estão neste estado. A isto juntem o calor que se faz sentir por cá, com quase 100% de humidade e as trovoadas quase diárias que tanto barulho fazem naquele tecto. 














Falta a casa de banho, à esquerda. Volta e meia, vai um dos miúdos tomar banho, vestidos e sem toalha para se secar, apenas mudam de roupa depois do banho, quando mudam. A banheira não passa disto, um "poço" com água. A casa de banho não passa disto, de uma banheira. O saneamento básico não existe.



Impressiona quem vê, certo?. Lembro-me do momento em que os miúdos, felizes e contentes, me foram mostrar as suas instalações e, a seguir ao touch a life, deve ter sido o que mais me custou ver desde que cheguei. Felizmente cedo percebi que eles simplesmente não precisam de mais para serem felizes. São como que heróis das pequenas coisas!

1 comentário:

  1. Não comentamos, tudo o que descreves está bastante explícito. É uma realidade que impressiona a quem lê, muito mais a quem contacta com ela. Infelizmente, isso não se passa só por aí, mas por este mundo fora...

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