Mais um “movie day” (a escolha foram
os minions) e um dia sem ter que dar aulas. Não sei se lembram mas às sextas não há aulas de
inglês. Contudo, não notei grande diferença do dia de hoje para o resto dos
dias da semana. Simplesmente, tinhamos um computador, que volta e meia se
desligava sozinho, para onde os miúdos no meio da brincadeira espreitavam. Comprei gomas para acompanhar. Eu não vi nada do filme, eles muito pouco. Entre a palhaçada e 2
recém-nascidos que também lá estão - um deles chora sempre que me aproximo dele
(mais uns dias a tentar e a apanhar sol de modo a ganhar uma cor mais familiar, e deve passar), o dia fez-se. Também
houve jogo de bola, como sempre.
Logo de manhã, quando cheguei
estava por lá uma senhora que foi entregar sopa aos miúdos. Perguntei se aquilo
é frequente mas a resposta foi não. Eles adoraram e, cada um com o seu saco de
plástico, comeram literalmente até à última gota. À tarde, tiveram direito a
melancias. Impressionante como todos eles me ofereciam um bocado. Por razões óbvias
não aceitei nada, mas nunca vi sentimento de partilha tão grande como naquela
casa.
O mais velho de manhã veio-me mostrar outro desenho que tinha feito e
perguntar-me o que achava (muito bom como podem ver), à tarde quando cheguei
estava a fazer outro (com os lápis oferecidos por si, tia Maria). Amanhã vou
com ele para o mercado testar o produto. Hoje rezo para que todo o entusiasmo, que consegui dar-lhe, não se desvaneça este fim-de-semana, até porque o rapaz é
realmente bom. O desenho que mostrei ontem, entretanto, foi partilhado no
facebook. Mostrei isso ao rapaz que ficou fascinado por ver a sua pintura
publicada e partilhada. Obrigado professor João Nunes, às vezes gestos banais e,
na nossa cabeça, inconsequentes acabam por alegrar os outros.
Tenho aprendido isso diariamente desde que cheguei e este foi sem dúvida um bom
exemplo disso.
Entretanto falo muito dos miúdos e da instituição (são o meu dia-a-dia) mas reparo que nunca a retratei,
nem tão pouco a tratei pelo nome. O resto do post de hoje serve, então, para vos dar
a conhecer a casa onde moram os meus pequenos grandes benfiquistas e, onde tenho
passado dos melhores momentos da minha vida. Casa onde não há televisão, sofá, máquinas de lavar, saneamento básico ou a boa
da açorda mas onde, todos os dias, me sinto feliz e em casa, apesar dos mais de
10.000 kms de distância à minha. Se existe algo que aprendi aqui, com os
pequenos grandes benfiquistas e este povo, é que a verdadeira razão de nos
sentirmos em casa e felizes não vem dos bens materiais, mas sim das pessoas que
nos esperam. Sem nada, aquela casa dá-me tudo.
Bem-vindos à instituição,
bem-vindos à KILT. KILT significa “Khmer Independent Life Team” e tem como
objectivo ajudar Cambojanos vítimas de minas, doentes de pólio e crianças de
famílias desfavorecidas. O seu fundador e ainda responsável por tudo, Bel de seu nome, foi um dessas vitimas tendo a sua perna direita sido amputada
quando tinha 7 anos. Dá suporte a 8 adultos e às 14 crianças. Todos
vivem do que conseguem vender que, infelizmente, é mesmo muito pouco e
insuficiente.
Cercada por um muro, (de tijolo!)
à entrada temos um portão que disfarça muito bem aquilo que está lá por
dentro. Entramos e ao fundo (espaço não falta por ali) temos a árvore, onde paro a bicicleta diariamente e onde fazemos macacadas.
À esquerda a nova sala de aula - um cabana com 2 mesas a cair de podre e 2 bancos. À direita temos a casa, muito pequena, com 2 quartos e uma “sala
de estar” (digo assim porque não sei que nome lhe chamar - tem uma rede onde,
por norma, está lá sempre alguém deitado e pouco mais).
Sala de Aula |
Casa |
Em diante, um
autêntico descampado que serve de campo de futebol diariamente.
À direita, a
cozinha. Aquele sitio onde não chove e que devem ter pensado que era maravilhoso.
Não é mais que aquilo que podem ver pelas fotos, não há electrodomésticos, apenas umas panelas, uns pratos,
uns copos e um local onde eles fazem fogo para aquecer a comida.
Em frente, os
quartos dos miúdos, os 14 distribuem-se por 3 quartos, por meia-dúzia de camas que
nem colchão têm. Cada um tem o seu canto para as suas coisas, que são pouco mais
que 3 ou 4 peças de roupa que, por certo, se a minha mãe as visse diria “isto
nem para trapo dá”. O armário para as coisas deles, muitas vezes, não é mais que uma
corda. As paredes e o tecto dos quartos são placas de metal que estão neste estado. A isto
juntem o calor que se faz sentir por cá, com quase 100% de humidade e as
trovoadas quase diárias que tanto barulho fazem naquele tecto. Falta a casa de banho, à esquerda. Volta e meia, vai um dos miúdos tomar banho, vestidos e sem toalha para se secar, apenas mudam de roupa depois do banho, quando mudam. A banheira não passa disto, um "poço" com água. A casa de banho não passa disto, de uma banheira. O saneamento básico não existe.
Impressiona quem vê, certo?. Lembro-me do
momento em que os miúdos, felizes e contentes, me foram mostrar as suas instalações
e, a seguir ao touch a life, deve ter sido o que mais me custou ver desde que
cheguei. Felizmente cedo percebi que eles simplesmente não precisam de mais
para serem felizes. São como que heróis das pequenas coisas!
Não comentamos, tudo o que descreves está bastante explícito. É uma realidade que impressiona a quem lê, muito mais a quem contacta com ela. Infelizmente, isso não se passa só por aí, mas por este mundo fora...
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