sexta-feira, 31 de julho de 2015

Mochilas novas para todos!!!

31 de Julho! Como diria o sábio Quim, o melhor dia para casar… Não, ainda não foi este ano.
Este ano, ainda assim, foi um 31 de Julho um pouco diferente. Foi dia de apresentar a nova professora à rapaziada (eu já sei o nome deles todos, resta-me desejar-lhe boa sorte com isso) e foi dia de ir comprar mochilas novas para os meus pequenos grandes benfiquistas.
A quem me tem depositado dinheiro para as crianças ou população local, só posso dizer-vos o mais sincero dos obrigados, do fundo do coração, e prometer que darei o meu melhor para que o mesmo tenha o melhor dos destinos. Entre bens úteis para os meus miúdos, programas que eles realmente queiram e gostem de fazer (alguns deles inovadores e nunca experimentados por eles) e entrega ao touch a life para comprar mais comida ou medicamentos, vou tentar gerir o vosso dinheiro da melhor forma. Hoje foram mochilas e, sei que não preciso, mas justifico porque.  
Partilho o estado da antiga mochila do Somen. Digo apenas para repararem bem e verem que o fecho está fechado, aquilo é mesmo rasgado. Era assim que ele transportava os seus livros todos os dias para a escola. Acho que não preciso de dizer mais nada… Como a do Somen havia mais e agora todos tem uma nova, que usam diariamente e que, indirectamente, acaba por ser um bem para os ajudar a construir um futuro um bocadinho melhor. Coisas para a escola, dar-lhes-ei tudo o que vir que eles precisam. Com estas aquisições também me no direito de exigir mais deles, de pedir aos alunos de média de oito, nove. Aos de nove, dez. Eles ficaram de me mostrar as notas que entretanto tiverem na escola até me ir embora. Não, nunca têm a quem a mostrar, muito menos têm pais ou alguém a exigir mais deles. Mesmo assim, estudando entre eles e ajudando-se uns aos outros, numa escala de 0 a 10, têm médias de 8 e 9.

A  compra das mochilas foi épica. Sem querer, acabei por praxar a minha colega. De manhã, tinhamos apenas 2 alunos, foi fácil ir comprar. Eles foram numa bicicleta os dois, nós cada um na sua até à escola deles. No mercado ao lado da escola, comprámos as 2 mochilas, uma do hulk outra do spiderman. Ainda me mostraram orgulhosos a sua escola, foi bom…
À tarde, o processo era mais difícil. Eram mais 10 mochilas, ou seja, 10 crianças. Como fiz aos outros, deixei-os também escolher o sitio para comprar. Escolheram um mercado local, cheio de cambojanos, comida por todo o lado, sem refrigeração mas cheia cheia de bichos. Um cheiro bem pior que o meu depois do jogo de futebol na lama de ontem e… longe, muito longe. Tal como a KILT, na periferia da cidade, mas no canto oposto. A carrinha não se pode usar sem o responsável, tínhamos apenas bicicletas, insuficientes para todos, e 2 motas. Solução encontrada: levar os 4 miúdos mais velhos que escolheriam para todos. Assim, éramos 6. Numero mais que razoável para 2 motas, certo? Também me pareceu..  Os dois rapazes mais velhos, de 19 e 16 anos, a conduzir. Mais 2 em cada uma e lá fomos nós, no meio deste trânsito que dá 10-0 à rotunda do marques e onde a única regra é nunca parar. Cruzámo-nos com a policia, fizemos-lhes adeus. Dos melhores momentos que já tive por cá. Os 6, comprámos 10 mochilas. Mochilas da hello kitty, da barbie, da branca de neve, duma “princess” qualquer que desconheço ou, simplesmente, uma toda preta porque era igual à do teacher Zé, serão exibidas orgulhosamente amanhã na escola pelos miúdos (aqui há aulas ao sábado).







Por fim, no pós mochilas, também me tornei “doctor Zé”. Ontem surgiu uma lesão no jogo da bola, um dos miúdos partiu uma unha do pé (jogam descalços e há algumas pedras), saltou uma parte. É daquelas coisas que doi de ver e faz muita, muita impressão. Ainda por cima, o rapaz continuou descalço portanto imaginem a infecção que ali não está. Enchi-me de coragem, coloquei o sorriso numero dois por cima da cara de nojo e dei o meu melhor enquanto médico. A farmácia que trouxe é mesmo útil, apesar de eu só usar mesmo os comprimidos para a caganeira (voltou a atacar em força). Betadine, compressas e curitas e o rapaz, ao menos,, já anda com aquilo protegido. Doctor Zé, ao que isto chegou!!! Amanhã levo a pasta de doutor para o mercado...

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Chegaram reforços!

Chegaram reforços, daqui em diante já não estarei sozinho. Hoje chegaram mais 3 portugueses que vieram através da mesma organização que eu. Um deles vai para a KILT comigo, seremos 2 professores. Mal os conheço mas parecem porreiros. Agora já tenho companhia para almoçar, jantar, ir beber um copo ou ocupar as horas vagas, que nunca tenho. Acho que o dia-a-dia por cá vai acabar por ser diferente. Também devem começar a aparecer mais programas turísticos. Estava à espera deles para os fazer, além de mais divertido, a viagem de tuk-tuk a dividir por 4 também sai mais barata. Eles falam em ir à Tailândia uns dia, mas esses programas salto. Prefiro ficar com os pequenos grandes benfiquistas e não desperdiçar dias que podem ser bem aproveitados com eles.
Por um lado é bom ter companhia, por outro perdem-se outras coisas, a aventura torna-se menor. Se me  der um badagaio, já tenho quem dê por isso. Daqui a para a frente, as coisas já não dependem só de mim. As aulas, certamente, serão bem diferentes mas é bom ter ajuda. À tarde são muitos alunos, dos 4 aos 19 anos e com níveis bem diferentes de ingles, torna-se difícil para uma só pessoa. Agora serão divididos pelos 2 professores e, em termos de aprendizagem fica mais fácil. Em termos de brincadeira, esperemos que a nova professora entre nas brincadeiras e as autorize na sala de aula. Caso contrário, estou bem tramado. Ou pensando melhor, ela é que está...

Além desse medo e da chatice que é ter que dividir a atenção dos miúdos com outra pessoa (estou a gozar), também surgem novos problemas logísticos como já aconteceu agora ao jantar, como o "onde é que vamos comer?" ou "o que é que é fazemos a seguir?". Já não decido sozinho e, possivelmente, o pedalar sem destino acabou, a menos que me isole de vez em quando. Desengane-se quem pensa que me aborrecia quando andava sozinho, gostei mesmo da experiência e adorava sair só porque sim, parar onde me apetecia, comer o que me apetecia onde me apetecia. É o máximo andar por estas ruas e ir metendo conversa com os tuk-tukers, ficar a ouvir as suas historias de vida, algumas delas arrepiantes. Era engraçado sentar-me num café ou restaurante e às tantas ter um empregado sentado comigo a falar naquele inglês que eu, pelo menos, não percebo nada. Duvido que estas situações voltem a acontecer, pelo menos com tanta frequencia. Dou por mim e já sou conhecido na cidade, a caminho da KILT já varios tuk-tuks me acenam e buzinam, as utimas 2 vezes que fui ao supermercado também encontrei por lá um amigo. Escusado será dizer que não sei o nome de nenhum destes amigos que fui fazendo, nem tão pouco lhes reconheço a cara. Para mim, são todos iguais, têm todos cara de Cambojano. E todos, muito simpáticos mesmo... 

Para acabar, partilho uma foto da nova toualete que comprei hoje no mercado, já com os novos reforços. Publico também um  video do jogo da bola de hoje. Em minha defesa, quando comecei o jogo com os miudos estava sol. Passados 5 minutos é que começou a chover torrencialmente e, em vez de acabar com a brincadeira, optei por voltar a ser criança. Lembro-me quando era puto e jogava à bola à chuva, a minha mãe não gostava pois ia ficar constipado. Se o jogo fosse na lama então, tinha um sermão garantido quando regressasse a casa. É lindo voltar a ter 10 anos, andar a chafurdar na lama atrás duma bola e chegar a casa e não ter a mãe para se zangar comigo, apenas um saco para meter a roupa suja, esperar que seque e ir directamente à lavandaria.  




P.s.: Não sei com que bicho dormi eu ontem mas os meus braços aumentaram mais de dimensã de ontem para hoje doque em um ano de ginásio. Picadas umas atrás das outras daquelas que incham, ficam vermelhas e fazem muita, muita comichão!

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Na aula do teacher Zé, vale tudo menos tirar olhos

Ontem foi dia de mercado, terça-feira. Foi dia do rapaz mais velho expor também os seus desenhos pela primeira vez. Ninguém comprou, ainda. Para vos contextualizar, estamos na época baixa cá (“rainy season”) e estava a chover, pelo que o mercado estava quase deserto. Antes de vir, foi-me dito que nesta altura eles podiam não ter comida na mesa por estarem semanas e semanas sem vender no mercado. Quando cheguei, conferi que eles realmente nada vendiam na maioria dos dias. Parte surpreendente: ontem batemos o record. Melhor dia em receitas e nº de peças vendidas, 9 no total. A razão é simples, os miúdos tornaram-se vendedores. Antes tinham uma bola para jogar atrás da sua barraca e ficava o mais velho lá sentado a marcar presença. Na semana passada comecei eu a abordar pessoas, com eles a ver e a rir da brincadeira. Comecei a insistir com eles para fazerem igual. Actualmente, ninguém passa pela nossa barraca sem que um miúdo pergunte se não quer comprar nada. As instruções seguintes são para, enquanto as pessoas olham para a bijutaria, meterem conversa e perguntarem coisas como “where are you from?”. A partir dai, basta serem eles próprios, mandarem os seus sorrisos lindos e as suas calinadas no inglês e, os próprios clientes tratam de gerir a conversa. No fim, a venda está consumada. O resultado está à vista e é muito importante mesmo, deixa-me muito mais descansado. Pelo menos sei que comigo cá ou em Portugal, se eles souberem vender e continuarem assim, jamais passarão fome. Devo confessar que o método não foi o mais apropriado. Para os entusiasmar criava eu próprio diálogos a explicar o que deviam dizer. Pelo meio dizia frases como “if you don’t buy, I will hit you” ou “Buy or fight?”. Eles são espertos e sabem que estava na brincadeira, mas riam-se e entraram neste jogo de ser vendedor. Fazer-lhes caretas por trás dos clientes enquanto eles os abordavam também foi estratégia muito bem aceite. Bom ou mau, o método foi eficaz! Era o que me interessava.

Agora as aulas, se é que ainda lhes posso chamar de aulas. Eu adoro dar as aulas e eles também parecem gostar de as ter. As raparigas mais velhas, muitas vezes, têm que ficar com os bebés. Quando cheguei era uma óptima desculpa para faltarem à aula, agora perguntam-me se os bebes também podem ir. Claro que digo que sim, gosto de alunos novos. Alguns rapazes ao inicio iam dormir quando vinham da escola ou arranjavam actividades, como arrumar o quarto, para não se sentarem na antiga sala onde chovia. Faz hoje 2 semanas que não faltam. Aqueles que, por algum motivo, não vão às aulas de khmer assistem de manhã e de tarde, dantes também só iam a uma. Às faltas que tive no início, tinha instruções para avisar o responsável. Nunca o fiz, disse apenas aos miúdos que podiam ir dormir, ficar com os bebés ou simplesmente fazer outra coisa quando quisessem desde que me avisassem para não me preocupar. Até lhes disse que compreendia as faltas porque inglês é aborrecido e eu próprio odiava ter aulas. Nunca mais nenhum faltou e, quando chove principalmente, também os cães e as galinhas assistem. É muito bom contactar estes factos mas também não admira, vejam porque.
Na aula do teacher Zé, vale tudo menos tirar olhos. Vale falar quando quiserem, desde que seja em inglês. Vale cantar, desde que sejam músicas em inglês. Vale empurrar a cadeira quando o colega do lado se vai sentar, desde que garantam que ele cai redondo no chão para ser engraçado. Vale saltar, andar, correr, pintar, desenhar, beber água, falar, cantar, gritar, o que quiserem, desde que me digam em inglês o que estão a fazer. Esses verbos já os sabem todos!  Vale estar de pé ou deitado em cima da mesa, desde que vão escrevendo e fazendo os exercícios. Vale torneios de braço de ferro, flexões ou elevações nas árvores, desde que aprendam a dizer forte e fraco. Vale levantar as mesas, desde que aprendam a dizer pesado e leve. Vale baterem-se uns aos outros, no meio das brincadeiras muitas vezes figim que vão fazê-lo, desde que primeiro batam no teacher Zé. (Sim, esta regra existe mas eles têm-me respeito). Além disso, há rebuçados para quem acerta os exercícios. Também podem escolher o que querem fazer e que aula querem ter. Assim, podem escrever menos no quadro, podem aprender menos gramatica, mas todos se fartam de falar. Eu corrijo-os quando dizem mal as coisas ou ensino-os quando tentam dizer coisas que não são capazes. Assim, estão fartos de aprender. Muitas vezes, são professores uns dos outros. É engraçado pedir aos miúdos entre os 10 e os 13 anos para escreverem os dias da semana ou os meses do ano e eles responderem que não precisam de escrever porque já sabem. Aí chamo-os de professores e mando-os explicar aos mais pequenos. Eles entusiasmados vão ensinar, como? Escrevendo numa folha para os pequenos verem e copiarem para os seus cadernos. Enquanto escrevem percebem que eles próprios, afinal, não os sabem escrever e pedem-me para soletrar. Os mais pequenos, ao verem os amigos a ensinar, acham o máximo e copiam tudo. Muito fácil certo?
Mais engraçado é quando me sento mesmo no lugar deles e deixo que seja um deles a dar a aula, com aviso prévio que é para a coisa vir já pensada e eles andarem entusiasmados com as aulas que os amigos vão dar. Um adora cantar, passa a vida a cantar, outro gosta de rap e beat box, passa a vida a fazer barulhos esquisitos com a boca. Esta semana houve aula de canto em que só tive que imprimir folhas com as letras das músicas que o professor escolheu, e aula de beat box em que “só” tive que fazer eu próprio os baralhos com a boca, ser gozado pelos miúdos todos que choravam a rir, para que o professor perdesse a vergonha e começasse então a aula.
Em semana de circo, também ensinei, com pedras, o muito pouco que sei de malabarismo. Não têm feito outra coisa e uns já dominam. Como habilidade puxa por habilidade, cada um vai mostrando o que sabe. Tenho verdadeiros tesouros das aulas, que deveriam ser de hora e meia mas passam as 3 horas, gravados no telemóvel, partilho alguns. Enjoy (Os videos ao passar para o blog perdem substancialmente a qualidade, no meu computador estão bem melhores. Mesmo assim, quem segue o blog no telemóvel e não consegue abrir os vídeos, acho que justificam um saltinho ao computador para ver).













terça-feira, 28 de julho de 2015

Somos todos voluntários, obrigado.

Hoje não vou falar do que se passa aqui no Camboja, mas do que acontece aí, por Portugal. Um obrigado é muito pouco para retribuir aquilo que tenho recebido. Ao fim de 3 semanas (como o tempo passa!) estou orgulhoso daquilo que já foi feito. Foi feito não apenas por mim, mas por todos nós. Sem todo o apoio, sem a quantidade de mensagens que me têm chegado, acho que não faria metade. Dizia que vinha sozinho para o Camboja mas nunca me senti tão acompanhado. Estou a mais de 10000 kms de distância mas nunca me senti tão próximo de alguns dos meus amigos e familiares. Estou a dar-me a conhecer e, ao mesmo tempo, pelas reacções e atitudes de cada um, também a conhecer-vos. Muito mais há a fazer, mas por vossa causa, está cada vez mais fácil ajudar. Está cada vez mais fácil fazer a diferença na vida destes miúdos. Agradeço-vos a todos. Todos ajudam, todos têm sido importantes. Mesmo os leitores anónimos que nem conheço, não sabem a motivação que é, dia após dia, ter mais e mais pessoas a viver esta aventura comigo. 

É bom saber que estou a conseguir fazer-vos chegar ao Cambodja, mostrar-vos esta tão distinta realidade, dar-vos a conhecer as crianças mais porreiras que já conheci na vida. Impressionante como mesmo longe, apenas através de meia dúzia de fotos, 1 ou 2 vídeos e umas palavras meio atabalhoadas escritas por mim, vocês, em Portugal, se conseguem emocionar e, começam a gostar dos pequenos grandes benfiquistas e deste povo tanto como eu e, começam a querer contribuir tanto ou mais que eu para o futuro e felicidade deles. Nos últimos dias tenho recebido mensagens fantásticas, com gestos bem mais bonitos do que o meu de vir para o retiro 2 meses.

Obrigado pais. Era para ser tudo por minha conta até começarem a ler o blog. Decidiram pagar-me a guesthouse e dar-me a liberdade de, com esse dinheiro poupado, fazer o que bem entender. Em Portugal, por orgulho, jamais aceitaria tal proposta. Aqui aceitei logo porque a poupança vai ter o melhor dos destinos.
Obrigado tia Maria e tio Ricardo, incrível tudo o que têm feito. Em Portugal, ajudaram-me em tudo o que podiam, foram bolas novas para os miúdos, canetas e lápis com fartura. A vossa missão estava mais que feita. Agora recebo a informação que chega mais uma “ajuda” à minha conta para gastar com os pequenos. Sem intermediários, para gastar ou em programas que eles gostem ou em coisas para eles.
Dos meus avós, chegou mensagem igual. Obrigado por isso e também pelas rezas e gargalhadas que me têm proporcionado quando sei através dos meus pais que já mexem no computador e quase decoram aquilo que escrevo.
Obrigado tio Zé pelo apoio, pela ajuda com as camisolas do Benfica e pelo bilhete de avião. Sem esse empurrãozinho acho que o sonho de vir não tinha passado disso mesmo, de um sonho.
Obrigado Marta, Teresa e Sheila que sem conhecerem as crianças, ou pagam circos, ou enviam infinitos materiais de inglês e aceitam fazer gravações para me ajudar na fonética ou me querem pôr mais dinheiro nas mãos para ajudar as crianças. 
Obrigado às infinitas pessoas, e sim, já não faço ideia em quantas vamos, que querem comprar colares, pulseiras ou desenhos aos miúdos para os ajudar. Vão ter que me dizer novamente, quem são e o que querem, para eu tomar nota. Temos que começar a tratar de escolher e comprar. Eles fazem a bijutaria à medida que vendem e, dada a quantidade que está para ser adquirida, é melhor ser um processo gradual.
Além disso, obrigado a todos os que lêem e têm feito este blog, esta aventura e esta ajuda a estas pessoas crescer exponencialmente. O blog foi criado como uma brincadeira, uma maneira de “despachar” quem quisesse saber de mim, de ocupar o tempo livre que achava que ia ser muito (cada vez é menor e começa a ser muito pouco) e de mandar umas piadas com a tal “essência máxima”. De inicio, o link foi partilhado apenas com os que me eram realmente próximos. Éramos poucos mais de 30. As coisas foram acontecendo e, hoje, nem sei bem para quem escrevo. Sei que houve algumas desistências de quem leu alguns posts e nunca mais se lembrou, poucas. Por cada desistente e desinteressado, surgiram muitos novos aficionados. Do nada, vejo publicações com mais de 350 visualizações, 350 repito, vejo o blog partilhado em dezenas de facebooks, vejo textos meus publicados por outros, vejo os meus miúdos no facebook oficial do Benfica (https://www.facebook.com/SLBenfica/photos/a.10155749798430716.1073742238.212504785715/10155831082885716/?type=1&notif_t=comment_mention), vejo esta pequena brincadeira começar a ter proporções que nem no meu melhor sonho (ou pesadelo, depende da perspectiva) imaginava. Está a tornar-se cada vez maior, está enorme. Mais que enorme, tudo o que se começa a construir à volta desta aventura, está de uma solidariedade imensa. Vossa, não minha.

Como podem ver, está muito fácil para mim ajudar. A culpa é só vossa. A causa justifica e, infelizmente, nada é demais porque há realmente muita coisa em falta por cá, tanto aos meus alunos como no touch a life. Já somos muitos mesmo a querer ajudar e a torcer por estes miúdos. Vou dar o meu melhor, sabendo que são crianças e não posso, de todo, andar em programas fantásticos quase diariamente com eles para depois, em Setembro, ir-me embora e voltar tudo ao mesmo. Não posso, nem quero, mimá-los em demasia. Acho que, bem mais importante que proporcionar-lhes coisas boas, que também precisam, é garantir que quando for embora eles vão continuar a comer, vão ter tudo o que precisam para ir à escola, estudar e terão as condições mínimas e o que precisam para continuarem felizes. Já são muitas ajudas, já vai ser difícil de gerir mas também conto com vocês para isso. Dada a dimensão, a brincadeira vai ter que começar a ser bem pensada. É desta que o curso de gestão me vai ser útil. 

Por agora, partilho algumas ideias que tive e acontecimentos desta semana. Lembrei-me de ir ao mercado com todos os miúdos e oferecer uma t-shirt nova a cada um. Tirando as camisolas do Benfica, a muito pouca roupa que têm, está velha e toda rasgada. Fiz a sugestão como algo super bom em que eles, no meio de muitas t-shirts, iam poder escolher a sua. Nessa altura, a Sochea pergunta-me se não pode comprar a dela na barraca em frente à deles no mercado onde eles vendem as coisas. As t-shirts que lá vendem são todas brancas e sem piada nenhuma. Disse-lhe que sim mas perguntei porque é que ela queria aquela e nem queria sequer ir ver outras numa loja. A resposta foi porque aqueles vendedores uma vez lhe ofereceram uma aula de dança e ela ainda não tinha conseguido retribuir. Após a conversa toda das t-shirts, foi a vez do Sarath. O Sarath veio falar comigo e perguntar se, em vez da t-shirt, não podia comprar uma mochila nova para a escola porque precisa mais. Mostrou-me a que tem. Está toda rasgada, só os livros grandes não caem, o resto vai directo ao chão. Fui reparar nas dos outros e sim, como a do Sarath há muitas mais mochilas. Disse então que em vez das t-shirts, íamos ao mercado comprar mochilas. Primeiro, rejeitaram porque era demasiado caro. Depois lá expliquei que era material para a escola que eles precisavam e que o dinheiro não era problema. Após os convencer (hoje já andei à procura de lojas que vendam mochilas), o Sopan vem mostrar-me a sua mochila, super pequena onde não cabem os livros todos, mas sem estar rasgada. É aí que me diz para comprar mochilas para todos os outros, menos para ele que a dele está boa.


A Sochea tem 12 anos, o Sarath 13 e o Sopan 10. Acho que não preciso de dizer mais nada sobre a maneira de ser dos pequenos grandes benfiquistas. Ninguém merece mais do que eles ser ajudado. Além destas crianças, há centenas delas no touch a life... Mais uma vez, obrigado por toda a ajuda!!

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Dia de ir ao circo!

Na semana passada escrevi sobre o quanto gostava de levar os pequenos grandes benfiquistas ao circo. Fui lá tentar saber se havia alguma possibilidade de obter desconto e sai de lá com o mail da organizadora. Como seria expectável, não me respondeu ao mail. Mas tentar não custa e perguntar não ofende. Fui então chatear o recepcionista de um hotel que também vende bilhetes. Expliquei-lhe a situação e o senhor, muito simpático mesmo, começou uma autêntica maratona de telefonemas. Uns atrás dos outros, todos em khmer e eu sem perceber nada. No fim disse-me para ir ao circo comprar os bilhetes, que eu tinha pagar o meu ao preço normal mas eles faziam descontos aos cambojanos, 3 dólares para menores de 12 anos, 5 para o resto (o normal seria 12 e 18, respectivamente). No circo, após explicar a história toda de novo e falar directamente com a responsável, até a mim fizeram desconto e... bilhetes para todos. Comprei-os para hoje, e sim, hoje fomos todos ao circo. Eu e os pequenos grandes benfiquistas. Só faltou o mais velho que teve que ir ajudar o Bell (responsável pela KILT) e não se despachou a tempo.
Quando chego à KILT, estavam todos, mais uma vez, super entusiasmados e a correr na minha direcção para me abraçar. Arranjaram-se e começou a caminhada. Eu e mais 11, já de noite, a pé a caminho do circo. Dos mais pequenos, todos queriam ir de mão dada comigo. Eu confesso que tinha algum medo de perder algum. Chegámos, entrámos e sentámo-nos todos juntos. Pelo meio fomos dando espectáculo. Afinal eles eram os únicos cambojanos de uma plateia cheia mas só com turistas, os únicos mais escurinhos e eu, o responsável por eles. As pessoas olhavam para nós e sorriam de maravilhadas que estavam. Eles, super simpáticos para todos, retribuíam os sorrisos.
O espectáculo por si merece a viagem até ao Camboja! Em Dezembro estive no cirque du soleil e, sinceramente, este impressionou-me mais. Neste não há lugar para os efeitos artísticos de luz e som. Não há protecções, cordas presas ao tecto ou qualquer coisa mais sofisticada. Há sim um círculo mesmo colado à plateia que não tem mais de 5 metros de diâmetro, 2 pessoas responsáveis por todo o sistema sonoro, ou seja, a tocar vários instrumentos musicais e a cantar, e 8 artistas capazes de tudo. Fizeram coisas que, até  hoje, julgava serem humanamente impossíveis. Tinham apenas 2 rolos, uma mesa e 8 caixas de cartão, uma para cada um. Com isso deram mais de uma hora de espectáculo. Não tenho palavras para descrever. Foi incrível. Arrisco dizer que disto não se vê na Europa. Não tirei fotos porque era proibido e, apesar de muita gente estar a tirar, eu tenho que dar o exemplo em frente dos miúdos.
Os miúdos esses… um espanto. Pensava que era impossível tê-los sossegados mais que 2 minutos seguidos, sem conversas ou brincadeiras. Ainda para mais todos juntos. Estava redondamente enganado. Hora e meia de espectáculo e todos, sem excepção, vidrados naquilo. As duas mais pequenas apenas se sentaram no final. Não se ouvia um palavra dos meus miúdos, não viravam a cara ao espectáculo uma única vez e, mesmo quando toda a plateia batia palmas, eles nem isso faziam de concentrados que estavam. Olhos bem abertos, olhavam para tudo absolutamente fascinados. Foi lindo e um orgulho vê-los assim. Apenas no regresso a casa se queixaram do cansaço. Eram quase 10 da noite, ainda não tinham comido e a maioria levanta-se as 6 da manhã todos os dias.

Para acabar, posso dizer que mais uma vez, fez-se magia no Camboja… Ou fizemos. Fiz eu e, principalmente, a minha grande amiga Marta. Foi ela que proporcionou tudo isto. Tem pouco mais de metro e meio e, actualmente, dou-lhe pouco mais de 40 kgs mas, mais uma vez, mostrou a grande pessoa que é. Sem conhecer os miúdos, apenas ao ler o escrevi na semana passada, ofereceu-se para pagar o circo. Eles agradecem imenso e, sem dúvida, foi um óptimo investimento. Eu, a ti Marta, nem sei o que te diga para além de um grande obrigado. És enorme!

domingo, 26 de julho de 2015

Dia de natação!

Esta semana, durante o ensinamento dos verbos, descobri que os pequenos grandes benfiquistas adoram nadar ou, pelo menos, tentar fazê-lo. Na verdade, só dois é que sabem. Dado que tenho algumas limitações enquanto professor de inglês, decidi tentar ser professor de natação. Informei-me e descobri que aqui nas redondezas existe o "West Baray Lake". É como que o paraíso local, óptimo para descansar. Um lado enorme, artificial cuja construção remete para o séc. XI. O programa ficou, desde o inicio da semana, marcado para domingo. Escusado será dizer que as crianças não falaram de outra coisa durante toda a semana…
Acordei ainda com febre mas jamais seria capaz de dar o desgosto de não irmos nadar hoje aos pequenos. Às 9 da manhã estava na KILT. Disse para eles prepararem tudo, para termos comida para todos e estarem à vontade que eu pagava isso e o transporte. Assim foi. Logo às 9h estavam eles super entusiasmados (vieram abraçar-me quando cheguei) e, tinha as raparigas mais velhas a cozinhar para todos. Estavam a fazer bifes! Aquelas crianças que passam dias e dias a arroz, hoje tiveram direito a carne. A minha doença passou logo.
A seguir à refeição, começou a aventura. Tudo para dentro da carrinha. O rapaz mais velho ao volante, o responsável pela KILT ao lado. Atrás, 2 senhoras também da KILT e com limitações físicas sentadas e o resto tudo ao molho. Eu, 10 pequenos grandes benfiquistas e os dois bebés. Se isto já parece espectacular, mais se torna se vos falar um pouco da carrinha. Fios eléctricos como que ali entre o condutor e o copiloto, assim como, um cabo que liga directamente ao boião do combustível. Além disso, dois rapazes, dos mais fortes, a empurrar a carrinha para aquilo arrancar. Foi assim que chegámos ao Baray, ou quase. Os últimos metros tiveram que ser feitos a pé porque a estrada era demasiado inclinada e a carrinha não dava aquela subida feita.

Baray... à primeira vista, foi como que chegar ao paraíso. É o mais parecido com praia que há por cá, um lago lindo e enorme, com areia à volta e a água parada, claro está. Sossego, finalmente! Umas tendas, todas elas seguidas, cada uma com 3 redes para nos deitarmos. Que bem por lá se estava. A água super quente. Eu e os pequenos tivemos lá dentro quase 2 horas seguidas.















Agora a parte menos boa. Se os insectos, na cidade, estão por todo o lado, imaginem junto ao lago com água quente. Ganhei mais umas boas picadas para a já extensa colecção. A aula de natação teve que ser cancelada. Eu tentei mas a água era de tal forma turva que não se vê rigorosamente nada, ou seja, mesmo que ensinasse os miúdos não conseguia ver na água se a rapaziada estava a fazer os movimentos bem ou mal. Além disso, a água nunca me passou da cintura e… a lama chegava quase aos joelhos. Nunca tinha visto, ou sentido porque para ver não dava, nada assim. Entrava na água, dava dois passos e começava a sentir os pés a afundar mais e mais nunca coisa flácida e muito, muito nojenta. Cinzenta que até os miúdos não gostam, quanto mais eu. Apesar disso, foi uma bela manhã. Os miúdos adoraram, iam mostrar-me os peixes que apanhavam (já mortos coitados) ou punham-se de pé em cima dos meus ombros para se atirarem para a água. Não aprenderam a nadar mas divertiram-se à grande e, mais importante, comeram bem. A seguir ao banho, havia muita fruta, arroz e carne para todos. O dia acabou quando eles, do nada, se levantam e começam a arrumar tudo apressadamente. Falavam em khmer e eu não estava a perceber nada, até que um me diz “rain”. Estava um lindo dia de sol, não percebi o comentário mas arrumei as minhas coisas. Dois minutos depois, uma trovoada daquelas. Mais uma. Escusado será dizer que chegámos todos ensopados à carrinha. 

Para acabar apenas partilhar algo que me custou bastante. Dois dos miúdos (dois dos pequenos que mais aparecem nas fotos que já vos mostrei), os meus melhores alunos como eu lhes chamava, abandonaram a KILT. Tratava-os assim porque, apesar de terríveis e de ao inicio não saberem dizer uma única palavra em inglês (agora já diziam as cores, o "my name is...", e as expressões mais frequentes como "drink water", "play football" e Benfica), eram os únicos que iam às minhas aulas da parte da manhã e da tarde (não andavam na escola publica). São filhos da cozinheira e foram os 3 embora, eles e a mãe, ficou o filho mais velho. Não me despedi sequer dos rapazes mas tinha um recado dos amigos. Disseram-me que eles queriam muito ter ido connosco nadar e que, mesmo antes de ir embora, tinham dito que adoravam o teacher Zé. Fiquei emocionado, sem resposta, e hoje percebo o quão difícil vai ser para mim o dia em que tiver que ir embora e despedir-me dos meus pequenos grandes benfiquistas...   

sábado, 25 de julho de 2015

1º dia doente

Desde que cheguei, já foram várias as noites em que pouco, ou nada, dormi. Não é necessariamente mau, afinal a minha madrugada corresponde à hora de ponta do facebook em Portugal e, dá para meter muita conversa em dia com muita gente. Os motivos têm sido diversos, desde o estado emocional, os vizinhos mais barulhentos, o calor que se faz sentir, o frio quando exagero no ar condicionado, a bicharada ou, e principalmente, as comichões das inúmeras picadas que estou a ser alvo. Hoje o motivo foi outro, passei a noite a inscrever o Robinson na natação, que é como quem diz, a obrar.
Eu bem que já tinha feito referência aos atentados que os intestinos andavam a ser alvo, elogiei-os. Não devia, foi só falar… A causa desconheço, o jantar de ontem estava nojento, daquele que tem que se empurrar com água para ir baixo, mas o sítio até tinha um aspecto bom e asseado e, jantares maus, já tive muitos. Posso ter bebido um bocado de água canalizada a tomar banho ou lavar os dentes, mas normalmente tenho cuidado com isso. Certo é que algum vírus ou bactéria veio cá parar e, para além da evacuação (vou chegar tão mais magro, alguém que prepare a minha avó) hoje passei o dia com febre. Bela me***, logo hoje…
Apesar da peripécia, as 7h da manha estava no touch a life novamente. Tinha dito que ia e não me arrependo. Cortei os vegetais todos e, apesar de me sentir meio doente, até se fez bem. A parte da “tarefa dos homens” de andar a esmigalhar arroz contra uma taça até fazer caber as 400 gramas é que acabou comigo. Se normalmente se transpira, eu estava a arder. Estava como que a testar os meus limites, queria ajudar, mas claramente para aquela tarefa não estava capaz. Lá me sentei e a responsável quando viu a minha cara, segundo ela estava com muito mau ar, e me colocou a mão na testa que estava a arder, lá me deu uns comprimidos e uma água com qualquer coisa estranha para limpar os intestinos. Ainda assim, foram 6 horas sem a droga dos comprimidos a penar como nunca penei por cá. Fez-me bem, a causa mais que justifica o esforço. À tarde, com os comprimidos já estava melhor e lá tratei de empacotar as omeletes e sopas. A parte mais fácil, mas psicologicamente mais difícil, fica para o próximo sábado. Felizmente haviam voluntários a mais para ir distribuir a comida e, além de não me sentir capaz de andar a brincar e a levantar 3 e 4 miúdos de cada vez, achei que a brincadeira deles me agarrarem e abraçarem constantemente, estando eu doente, podia correr muito mal, tendo eles as condições que têm. Fiquei com pena mas com a sensação de dever cumprido, fiz o melhor que consegui e há mais sábados para ir…
Ao fim da tarde, apesar da febre, fui ao mercado ter com os pequenos grandes benfiquistas. Tenho a função de lhes pagar qualquer coisa, pizzas ou noodles, todos os dias de mercado e, consegui fazer com que aquela tarefa dantes aborrecida para eles pois não vendiam nada, se tornasse em algo que eles já gostam. Hoje até vendemos uns brincos. Fui também ver se o mais velho já estava a tentar vender as suas pinturas. Estava apenas a pintar outra, vender ainda não pois não conseguiu plastificar aquilo a tempo. Amanhã tratamos disso e começamos a tentar...
Para acabar só uma reflexão. Logo num dos primeiros posts fui acusado de escrever como quem não gosta de muito de chineses. Não gostava nem desgostava. Hoje já não gosto! Estavam lá uns quantos hoje no touch a life (na verdade nem sei se eram mesmo chineses mas tinham aquela cara de pau) que, simplesmente, por cada coisa que faziam, tiravam inúmeras fotos. Pessoas a esforçar-se, a querer fazer aquilo depressa e bem, e eles a brincar com o telemóvel e a ocupar vagas de pessoas que poderiam estar ali para ajudar, e não paro o show-off. Infelizmente, a doença não me deu para espirrar ou tossir porque se desse, era mesmo direccionado a eles. Que atrasados…

Amanhã, com os conselhos da minha farmacêutica pessoal e as rezas das minhas avós, já devo estar recuperado. Tenho que estar porque tenho actividades a fazer com os meus pequenos grandes benfiquistas, que hoje quando acordei estavam escancarados no facebook oficial do Benfica. Soube bem acordar assim e, à pala disso, quase não chegava a tempo à casa de banho…

sexta-feira, 24 de julho de 2015

A casa da rapaziada!

Mais um “movie day” (a escolha foram os minions) e um dia sem ter que dar aulas. Não sei se lembram mas às sextas não há aulas de inglês. Contudo, não notei grande diferença do dia de hoje para o resto dos dias da semana. Simplesmente, tinhamos um computador, que volta e meia se desligava sozinho, para onde os miúdos no meio da brincadeira espreitavam. Comprei gomas para acompanhar. Eu não vi nada do filme, eles muito pouco. Entre a palhaçada e 2 recém-nascidos que também lá estão - um deles chora sempre que me aproximo dele (mais uns dias a tentar  e a apanhar sol de modo a ganhar uma cor mais familiar, e deve passar), o dia fez-se. Também houve jogo de bola, como sempre.

Logo de manhã, quando cheguei estava por lá uma senhora que foi entregar sopa aos miúdos. Perguntei se aquilo é frequente mas a resposta foi não. Eles adoraram e, cada um com o seu saco de plástico, comeram literalmente até à última gota. À tarde, tiveram direito a melancias. Impressionante como todos eles me ofereciam um bocado. Por razões óbvias não aceitei nada, mas nunca vi sentimento de partilha tão grande como naquela casa.
O mais velho de manhã veio-me mostrar outro desenho que tinha feito e perguntar-me o que achava (muito bom como podem ver), à tarde quando cheguei estava a fazer outro (com os lápis oferecidos por si, tia Maria). Amanhã vou com ele para o mercado testar o produto. Hoje rezo para que todo o entusiasmo, que consegui dar-lhe, não se desvaneça este fim-de-semana, até porque o rapaz é realmente bom. O desenho que mostrei ontem, entretanto, foi partilhado no facebook. Mostrei isso ao rapaz que ficou fascinado por ver a sua pintura publicada e partilhada. Obrigado professor João Nunes, às vezes gestos banais e, na nossa cabeça, inconsequentes acabam por alegrar os outros. Tenho aprendido isso diariamente desde que cheguei e este foi sem dúvida um bom exemplo disso.

Entretanto falo muito dos miúdos e da instituição (são o meu dia-a-dia) mas reparo que nunca a retratei, nem tão pouco a tratei pelo nome. O resto do post de hoje serve, então, para vos dar a conhecer a casa onde moram os meus pequenos grandes benfiquistas e, onde tenho passado dos melhores momentos da minha vida. Casa onde não há televisão, sofá, máquinas de lavar, saneamento básico ou a boa da açorda mas onde, todos os dias, me sinto feliz e em casa, apesar dos mais de 10.000 kms de distância à minha. Se existe algo que aprendi aqui, com os pequenos grandes benfiquistas e este povo, é que a verdadeira razão de nos sentirmos em casa e felizes não vem dos bens materiais, mas sim das pessoas que nos esperam. Sem nada, aquela casa dá-me tudo.
Bem-vindos à instituição, bem-vindos à KILT. KILT significa “Khmer Independent Life Team” e tem como objectivo ajudar Cambojanos vítimas de minas, doentes de pólio e crianças de famílias desfavorecidas. O seu fundador e ainda responsável por tudo, Bel de seu nome, foi um dessas vitimas tendo a sua perna direita sido amputada quando tinha 7 anos. Dá suporte a 8 adultos e às 14 crianças. Todos vivem do que conseguem vender que, infelizmente, é mesmo muito pouco e insuficiente.
Cercada por um muro, (de tijolo!) à entrada temos um portão que disfarça muito bem aquilo que está lá por dentro. Entramos e ao fundo (espaço não falta por ali) temos a árvore, onde paro a bicicleta diariamente e onde fazemos macacadas. 

À esquerda a nova sala de aula - um cabana com 2 mesas a cair de podre e 2 bancos. À direita temos a casa, muito pequena, com 2 quartos e uma “sala de estar” (digo assim porque não sei que nome lhe chamar - tem uma rede onde, por norma, está lá sempre alguém deitado e pouco mais).
Sala de Aula

Casa










Em diante, um autêntico descampado que serve de campo de futebol diariamente. 
À direita, a cozinha. Aquele sitio onde não chove e que devem ter pensado que era maravilhoso. Não é mais que aquilo que podem ver pelas fotos, não há electrodomésticos, apenas umas panelas, uns pratos, uns copos e um local onde eles fazem fogo para aquecer a comida. 
Em frente, os quartos dos miúdos, os 14 distribuem-se por 3 quartos, por meia-dúzia de camas que nem colchão têm. Cada um tem o seu canto para as suas coisas, que são pouco mais que 3 ou 4 peças de roupa que, por certo, se a minha mãe as visse diria “isto nem para trapo dá”. O armário para as coisas deles, muitas vezes, não é mais que uma corda. As paredes e o tecto dos quartos são placas de metal que estão neste estado. A isto juntem o calor que se faz sentir por cá, com quase 100% de humidade e as trovoadas quase diárias que tanto barulho fazem naquele tecto. 














Falta a casa de banho, à esquerda. Volta e meia, vai um dos miúdos tomar banho, vestidos e sem toalha para se secar, apenas mudam de roupa depois do banho, quando mudam. A banheira não passa disto, um "poço" com água. A casa de banho não passa disto, de uma banheira. O saneamento básico não existe.



Impressiona quem vê, certo?. Lembro-me do momento em que os miúdos, felizes e contentes, me foram mostrar as suas instalações e, a seguir ao touch a life, deve ter sido o que mais me custou ver desde que cheguei. Felizmente cedo percebi que eles simplesmente não precisam de mais para serem felizes. São como que heróis das pequenas coisas!

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Khmer Cocktail Class

A cabeça está boa e recomenda-se. Os intestinos idem idem aspas aspas. Com os atentados que lhes tenho feito não percebo como é eles ainda se mantém de pé, mas continuam rijos. Os intestinos, claro está.
Vamos lá falar dos cocktails. Ontem voltei às aulas, desta vez para ser aluno. Aulas de khmer cocktails to “discover Cambodian spices and infused rice spirits from Siem Reap”. A conclusão a que chego é que ser professor tem claramente mais piada. É como a diferença entre o mandar e o ser mandado.
A aula foi divertida, estava eu e um casal de ingleses. Iam-nos dando os ingredientes que tínhamos que cortar (os cambojanos insistem em colocar-me facalhões, capazes de me tirar um dedo, nas mãos), partir ou picar e preparar os cocktails. Antes de começar bebemos um shot com uma bebida espiritual de cá, muito forte mas boa. O primeiro cocktail levava “white rum” e “brown rum”, teoricamente 20ml de cada. Na prática, a receita ficou um bocadinho diferente. Estão a ver aqueles copos próprios para fazer cocktails com as medidas certinhas? De um lado têm os tais 20ml, do outro 50. O aluno Zé trocou os lados e o cocktail ficou… “estonteamente” bom. Ao fazer o segundo ainda entornei o “sugar syrup” pela mesa (há coisas que nunca mudam, nem no Camboja). Contudo, o resultado final foram 3 cocktails -Ginger Mojito, Tamarind Sauce e Litlle Sweet, e cada um melhor que o outro. Recomendo e adoraria conseguir por em prática e partilhar convosco a aprendizagem de ontem mas, infelizmente, duvido que encontre em Portugal os ingredientes necessários. Houve mistelas com ingredientes que, simplesmente, nem tradução para inglês têm. No fim da aula ainda tive direito a ir desfrutar dum cocktail numa das muitas camas que o bar dispõe, daquelas presas com cordas ao tecto que estão sempre a abanar… Está-se muito bem no Camboja!




Se aula foi gira, o pós-aula foi memorável. A aula começou às 8h, fui sem ter jantado e no meio de transporte local, a minha bicicleta. Se, normalmente, andar de bicicleta por cá é um desafio fantástico em que não fazemos 5 metros sem fazer razias a carros, motas e tuk-tuks e, andamos sempre com aquela sensação do “é desta, já foste” (um dia mostro vídeos), a actividade depois duma aulinha de cocktails torna-se, ainda mais, fascinante. Que regresso a casa tão cómico e, ao mesmo tempo, atribulado. Mas não, ainda não foi desta…

Quanto ao dia de hoje, um calor infernal mais uma vez e, lá tive que ir dar um saltinho à piscina de um hotel à hora de almoço. Na instituição, mais umas aulas dadas. Desta vez, o jogo do final foi uma espécie de bingo com as cores e o exemplo do que é ser "strong" (a ver se eles não se esquecem) consistiu em andarmos todos a fazer elevações nos ramos das árvores, os mais pequenos tinham que ser ajudados. Os pequenos grandes benfiquistas gostaram. De manhã tive mais um aluno que o habitual dado que um dos miúdos estragou os únicos sapatos que tinha e, simplesmente, ficou sem poder ir às aulas de Khmer. Não sei porque mas imagino o meu primo Diogo a ler isto e a pensar: “hum, se calhar na véspera do próximo teste de matemática vou tratar de estragar todos os pares de sapatos que tiver”. Ao fim tarde, foi novamente dia de tentar arrumar o meu quarto que está um nojo, tem terra e bichos mortos por todo o lado (também tem muitos vivos mas esses não consigo arrumar) e de lavar a roupa. Sim, isto de às 9 da manhã já ter gotas de suor a escorrer pelo corpo não ajuda nada a gestão do guarda-fato. 

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Zé, vai deitá-la!!!


Lembram-se de vos ter falado do rapaz mais velho que desenhava muito bem e a quem tinha pedido um desenho? Ora bem, aí está ele. Hoje confirmou-se a primeira venda do rapaz. Veio com ar envergonhado mas sorridente mostrar-me o que tinha feito. Como podem ver, ele tem mesmo talento (professor João Nunes, temos "artista"). Quando fui para pagar, o rapaz quis a todo o custo oferecer-me o desenho, alegando que já lhes pagava muitas pizzas e lhes dava muita coisa. Como é óbvio não deixei. Antes de me ir embora pus-lhe uma nota de 5 dólares na mão e disse que era para ele gastar como quisesse, não tinham que ir necessariamente para a instituição. Além disso, convenci o rapaz a continuar a pintar e tentar vender os desenhos no mercado. Vamos fazer figas para que tenha sucesso!

Ainda na instituição, as aulas correram dentro da normalidade. Mais verbos e mais palhaçada para eles os decorarem. A aula acabou quando percebi que eles não sabiam o que significava "strong". Qual foi a ideia para resolver a questão? Vamos todos contrair e mostrar os músculos dos braços. A seguir, houve torneio de braço de ferro entre todos. A cara dos pequenos a fazer força era um espanto, o que eu me ri. A brincadeira foi um sucesso e todos queriam fazer braço de ferro comigo. Confesso que com os mais velhos a tarefa já não foi muito fácil, talvez também tenha feito algumas caretas para ganhar. Por falar em caretas, no fim dessa brincadeira tinha alguns miúdos a cuscar as fotos que tinha no telemóvel. Quiseram tirar mais fotos e o resultado está à vista... Os miúdos rebolavam e batiam com as mãos na mesa tal não eram as gargalhadas que davam com as caretas do teacher Zé... que delicia!












Já depois das aulas, fiz uma amizade, no mínimo, interessante (a foto não engana). Cruzei-me com um monge e decidi abordá-lo. Fiquei a conversar com ele ainda um bom bocado, ele até queria ir para um banco de jardim conversar comigo mas achei que já era demais. O rapaz anda a aprender inglês, encheu-me de perguntas e tirou muitas duvidas com o teacher Zé que tinha apontadas no seu caderno. Perguntou-me qual a melhor maneira para aprender, logo a mim que estou há 20 anos a estudar inglês e, ainda custo a mandar duas seguidas para a caixa.  Ficámos amigos no facebook e fiquei de ir conviver com ele e os seus amigos, também monges, um dia destes. Uma tarde com muito potencial... Entretanto, por hoje, deu para perceber que eles cheiram mesmo muito mal!

Quanto às comidas, hoje o almoço foi épico. Decidi ir experimentar um buffet cá da terra, num restaurante situado no centro comercial (parece que existe disso por cá) com uns impressionantes 3 andares, ou seja, estamos a falar de um arranha-céus cambojano. Cheguei eram 13h e a senhora disse-me que aquilo fechava as 14h, que já não tinha muito tempo para comer. Fiz um esforço para não me rir na cara dela e entrei. Sentei-me e tinha um tapete rolante, muito extenso mesmo (nada comparado aos que há em Portugal) cheio de pratos a passar com alguma velocidade. Na mesa ligaram para lá uma coisa com água a ferver, a ideia consiste em recolher vegetais e mandar lá para dentro para, depois, comer tipo sopa. Isso até era o menos mau, experimentei os vegetais todos e aquilo até faz uma mistura comestível. Já os pratos com "comida", meu Deus. Comida está entre aspas propositadamente. Um tentativa de sushi, nojento. Carne crua, nojento. Uns camarões fritos, intragáveis. Outros pratos que, mesmo com muito boa vontade, não fui capaz de lhes pegar e meter aquilo na boca, ainda me dá nojo só de imaginar (prefiro mil vezes os insectos). Mesmo assim, comi que nem um alarve a tentar experimentar tudo, não gostei foi de nada. No fim, descobri que para além das bebidas não alcoólicas, também havia massa e arroz à descrição. Essa massa e arroz foram o resto do meu almoço e... foram comidos com pauzinhos. Experimentem comer arroz com pauzinhos e vão ver, nunca o ditado popular "grão a grão enche a galinha o papo" me fez tanto sentido.





Agora, à hora de jantar, foi altura do professor virar aluno e ir a uma aula de como fazer khmer cocktails. Dada a inspiração que para aqui vai, creio que é melhor relatar a experiência só amanhã e publicar apenas aquilo que já tinha escrito antes de ir para a aula. Por hoje, relativamente aos cocktails, tenho apenas 2 coisas a acrescentar. Primeira: se o meu caro leitor tiver mais que 30 anos, não tenha a MUITO infeliz de ir a uma aula de como fazer cocktails sem nada no estômago e de bicicleta. Se o meu leitor tiver menos que 30, experimente fazê-lo... o regresso a casa é brutal. Segunda coisa: Zé, vai deitá-la!!!

terça-feira, 21 de julho de 2015

Há budas por todo o lado

Tal como combinado, os meus alunos hoje mal abriram o caderno. Foi dia de aprender alguns verbos, a dizer e escrever. Foi divertido. Se alguns era demasiado complicado explicar o seu significado com o pouco vocabulário que eles têm (o meu também não é abundante), outros era demasiado fácil. “Jump” lá saltava o teacher Zé, “walk” lá andava o teacher Zé, “run” lá corria o teacher Zé, “hide” lá se escondia o teacher Zé, “touch” lá lhes ia tocar o teacher Zé, “clean” lá tirava os bichos e o pó de cima da mesa o teacher Zé, “drink” lá bebia água o teacher Zé, “laugh” lá mandava uma gargalhada o teacher Zé, “smoke” lá… estava a gozar!! Apesar dos incríveis 50 cêntimos por maço de tabaco, mantenho-me não fumador. Assim se fez a aula, verbos no presente e no passado e eles pareciam estar a gostar. No fim já sabiam tudo, estou para ver amanhã…

Entretanto a caminho da instituição todos os dias passo pelo circo local… Fui  procurar na net e aquilo parece ser incrivelmente bom: atracção nº 1 no TripAdvisor e inúmeras avaliações positivas com muita gente a afirmar que está ao nível do cirque du soleil. Decidi que um dia vou ao circo. Contudo, já que não os posso levar ao estádio da luz, acho que era um óptimo programa para fazer com os meus pequenos benfiquistas. Eles adorariam ir e eu adoraria levá-los. Fui-me informar de preços, 18 dólares para mais 12 anos, 10 para crianças dos 5 ao 9. É estupidamente caro e, para a minha carteira, é um sonho impossível de concretizar dado que seríamos 15. Ideia? Fui bater à porta do circo e explicar a situação, ganhei o mail do responsável pelo circo. O mail a saber que tipo de condições especiais é possível ter já foi enviado, aguardo resposta na esperança dos “palhaços” terem a mesma boa-vontade que o meu Benfica teve com os equipamentos. Seria espectacular também escrever um hino aos palhaços…


Por falar em posts antigos, na semana passada com a exclusividade dada à minha mãe deixei passar um acontecimento que merece ser partilhado. Naquele dia percebi que estava mesmo num mundo à parte. Ando no mundo dos budas. Budas deitados, budas sentados, budas de pé, budas de todas as cores, budas de todos os tamanhos, budas a fazer o pino, budas assim e assado, há budas por todo o lado! E a verdade é que tal se justifica facilmente com a dedicação a buda dos locais.  Numa das minhas voltas encontrei um templo, com muita de gente por lá, um fumo enorme à porta e uma quantidade enorme de sapatos à entrada, tal não eram as pessoas que lá estavam dentro. Tirei os sapatos e entrei também… Inacreditável. À direita uns homens tratavam da musica ambiente, à esquerda uma fila de monges cuja função era receber uns “biscates”, dizer uma lenga-lenga (os meus conhecimentos de khmer ainda não dão para decifrar) em coro e sempre com a mesma cara de pau e mandar agua para as pessoas. As pessoas, essas, de joelhos lá faziam umas acrobacias bonitas de serem vistas. Ao centro, um “cinzeiro” enorme onde os aficionados iam colocando as velas já usadas. Depois, já dentro da “casa” que existe ao centro do templo, eram velas por todo o lado, um calor ainda mais infernal que o da rua, caixas enormes completamente cheias de notas para oferecer a buda e filas de pessoas que pretendiam ir molhar os pés e as mãos dos budas que estavam no altar. Surreal mas muito, muito engraçado. (tirando a parte das caixas cheias de notas, ainda que umas valham 25 cêntimos, que neste país então, é só muito estúpido!). Partilho fotos e vídeos, espero que gostem tanto como eu gostei de andar lá no meio.