sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Começaram as despedidas!

Começou a épica feira da cuba. Mais um ano a falhar aquela festa fantástica onde se perdem comboios ao meio-dia porque a noite da véspera ainda está boa. Ainda assim, não trocava estes dias por nada.
Esta tarde voltei a ser aluno. A professora de italiano ensina frases e nós praticamos em diálogos. Eu servia sempre de cobaia. Continuamos a inventar supostos diálogos no mercado, onde nunca vi um italiano. Enquanto a professora ensina expressões como “quanto custa?” eu mando-os perguntar como é que se diz “if you don’t buy, I’ll hit you”. Eles riem-se com ar de gozo e damos cabo da paciência da senhora, coitada. Ela até é simpática, e se muitas vezes parvejo, quando ela começa a ficar chateada com tanta brincadeira também sou um aluno exemplar. Mesmo assim, há muita palhaçada naquelas aulas.










Entretanto, os miúdos, tal como eu, começam a sentir que tudo isto está a chegar ao fim. Não querem, eu muito menos quero que a aventura termine. Hoje, o Sovann, o Chamrang e o Sarath tinham prendas para mim. 4 desenhos (o Sovann fez 2) dos melhores que eles já fizeram, com os melhores materiais que têm e embrulhados em plástico para não estragar na viagem. O Sovann escreveu um texto que fiquei de ler apenas em Portugal e no seu embrulho deixou também a única foto que tem dele próprio, dada há uns anos por outro voluntário. Disse que queria que fosse eu a ficar com ela para que nunca me esquecesse dele. Jamais o farei e o facto dele me querer deixar com aquilo significou imenso para mim, um orgulho enorme. Se calhar também marquei a vida dos pequenos grandes benfiquistas, não foram só eles a marcar a minha.














Emoções à parte que o doloroso dia ainda não chegou, à tarde fomos jogar futebol. Os rapazes todos juntos, rimos imenso naquele relvado, todos vestidos à Benfica. Faltou o Chamrong, que ardia em febre e não estava capaz de jogar. No fim, ofereci-lhe os meus ténis laranja à Cristiano Ronaldo. Ele, vaidoso como é, adorou o presente e ficou de marcar muitos golos com os ténis que um dia foram do teacher Zé. Por certo, os ténis são mais úteis a ele que a mim. Ele dar-lhes-á melhor uso que eu.

A manhã foi de emoções fortes, fui chamado ao touch a life. Para além de cozinhar (hoje foi descascar ananás e picar alho) e dar de almoço a mais de uma centena de crianças que, durante a semana, vão comer àquela casa, havia um programa diferente para o qual tinha que estar presente. A chama imensa voltou a aparecer, a novos miúdos mas recebida com a mesma alegria. Os equipamentos que tinha deixado no touch a life foram hoje distribuídos por meninos cambojanos que, à semelhança dos meus, pouco ou nada têm. Um por um foram vestindo o manto sagrado e seguiram para o campo de futebol improvisado. Começamos então a jogar um futebol que nem balizas tinha, era apenas correr atrás duma bola numa excitação imensa por terem equipamentos novos e bons, da melhor equipa do mundo como fiz questão de lhes explicar, o Benfica. Mais uns fâs, mais umas crianças felizes. Que orgulho que é conseguir proporcionar estes momentos. Todos os adultos o touch a life estávamos particularmente contentes hoje.













Depois veio a pior parte, o adeus ao touch a life. Se custou, não posso sequer pensar quando o fizer com os meus pequenos grandes benfiquistas. Muitos sábados depois, falho o último. Fui e já tenho saudades daquele ambiente, daquelas pessoas, daquela casa. Fui mas quero voltar sempre que me for possível. Sai pela porta grande, todos fizeram questão de se despedir de mim, de me desejar a melhor das sortes, de tirar fotos comigo e de agradecer a dedicação ao longo destes dois meses. Fui de coração apertado e com bonitas palavras da Mavis, a responsável (na foto). Guardo-as para mim, não tenho que as partilhar. Da Mavis depende a sobrevivência de centenas de crianças. Aqui a cozinhar, brincar com os miúdos e a ajudar em tudo o que me for possível, ou em Portugal simplesmente a contribuir monetariamente para o que ali se faz semanalmente, não quero nunca deixar de apoiar esta causa.
Naquela casa cresci enquanto ser humano, conheci pessoas fantásticas, ouvi histórias incríveis e vivi momentos que levarei para sempre comigo. Ali aprendi o que é realmente praticar o bem. Ali aprendi o que é realmente passar mal. Ali são ajudadas centenas de crianças pelas pessoas mais incríveis que já tive oportunidade de conhecer. Pessoas de todo o Mundo, pessoas que deixaram tudo para se dedicar aos outros. Doentes, aleijados, ex-alcoólicos, sobreviventes de catástrofes de avião, responderam às adversidades da vida com a sua generosidade. Deixaram famílias e amigos para trás com o único propósito de combater a fome das crianças cambojanas. Gostava de ser como eles, de viver a palavra generosidade como eles vivem. Estou muito longe disso. Fica a última foto, da família touch a life a despedir-se de mim. Chamo de família porque, assim como a Kilt, foram a minha família nestes 2 meses. Não podia ter tido melhor sorte. Em família vi e presenciei momentos que jamais me esquecerei. Já os relatei, é escusado repetir. Quem os vive sabe do que falo, quem apenas lê está muito longe de imaginar.

Até breve touch a life. Desejo que por mais voltas que a vida dê, tenha a sorte de voltar a esta casa, de me cruzar com mais pessoas como estas. 

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