sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Quando for grande, quero ser como eles

Foram 2 meses e parece que faz muito tempo desde que deixei aquela terra maravilhosa e os meus 14 pequenos grandes benfiquistas.
Passaram 2 meses que, ainda no Cambodja, no ultimo acesso à Internet, minutos antes de entrar no avião, além da mensagem da Mavis (responsável pelo touch a life) que me pôs lágrimas nos olhos, tinha o seguinte video do Soman que as mandou cá para fora:
Passaram 2 meses e as saudades são imensas. Talvez saudade não seja a palavra certa. É qualquer coisa de novo que nunca experimentei antes.
É uma saudade confortante por saber que um dia posso voltar a ver os meus meninos e quem sabe fazer tudo de novo, como se nada tivesse mudado. Melhor, sei que quando os voltar a ver vão estar de braços abertos para me receber. Mas por outro lado, é uma saudade revoltante pois para que isso aconteça é preciso atravessar meio mundo. Pior, é preciso encher os bolsos novamente. É saudade e angustia porque enquanto aqui estou, estou dias e dias sem saber o que por lá se passa. Enquanto visto o fato e a gravata e encho a barriga quase todos os dias no restaurante porque o trabalho assim o exige, não sei se os meus pequenos grandes benfiquistas têm o que vestir ou comer.
Nestes 2 meses senti-me um bocado como que um emigrante no seu próprio pais, a estranhar tudo e matar-me a trabalhar para no final do mês conseguir enviar qualquer coisinha para "casa". Nestes 2 meses senti-me um autêntico adolescente apaixonado (estou bue crescido agora!). Aquele que acorda todos os dias e a 1ª coisa que faz é olhar para o telemóvel e ver se tem algum mail ou mensagem vinda do Cambodja, aquele que às 3/4 da tarde (horas deles se irem deitar por lá) começa a ficar desiludido por perceber que passou mais um dia sem receber qualquer novidade dos seus benfiquistas. Aquele que não está meia hora seguida sem se lembrar deles e que a maioria das conversas que tem vão dar a eles.
Muita gente me tem perguntado pelos meus heróis, tanto que eu gostava de conseguir responder melhor. Sei pouco, partilho o que sei.
Após os 2 dias de viagem passados entre aviões e aeroportos, consegui falar com os eles no skype. Uma alegria ao ver-me, uma mistura de sensações ao vê-los. Queriam conhecer os meus pais, que ainda dormiam, e amigos. Mostraram-me os cadernos da escola onde tinham tirado 10, como lhes tinha pedido no último dia que tive com eles. Disseram também que estavam a usar aquilo que lhes tinha deixado. Como eu gostava de os ver. Nesse mesmo dia, o mais velho disse-me que ia para casa dos pais 1 semana, acho que estava à espera que eu voltasse para ir. Só ele percebe minimamente do skype ou dos mails. Os outros, mesmo que percebam, não têm um acesso fácil à Internet.
O Sovann foi para casa, ficamos sem contacto. Aquela que seria 1 semana fora virou quase 4 semanas. Foram 4 semanas sem falar com eles e sem os ver, a saber noticias muito raramente por amigos que fiz no mercado e que têm Internet. Quando comecei a achar que tinha sido apenas mais um voluntário que está lá com eles uns tempos, lhes entra pela casa a dentro e, de um dia para o outro, desaparece e nunca mais sabem dele, recebo um mail com a seguinte frase:
" i  miss you brother you are  my family you in my heartCoração verde "
Nesse dia, o Sovann voltou à Kilt e então percebi o que se passava. As perguntas foram imensas, eu quis saber tudo, ele também. Por mail e facebook, ainda falámos um bom bocado. Querem saber o que estou a fazer, se estou bem e, pelo meio, surgem uns comentários onde se vê que são os mais pequenos que ao verem o mais velho a falar comigo também querem participar.
HELLO WHERE ARE YOU?
YOU SLEPINK BROTHER
hello brother how are you.
what are you doing now.
you working ?
hello father i a'm sopan.

Eles estão bem. Como dá para perceber, continuam genuínos e adoráveis. Continuam a fazer sentir-me um deles, e o orgulho que isso é. Mas nem tudo corre bem... 
Não posso dizer que as novidades estejam a ser boas, talvez por isso volte a escrever. O Sovann disse-me que os 14 estão bem mas a sua mãe estava doente, daí ter demorado tanto tempo a regressar a casa. Não me soube explicar o que tem, tentou mas a descrição da doença deve ter vindo dum tradutor manhoso de khmer para inglês e ninguém consegue traduzir aquilo. Percebi que faziam falta medicamentos que, como é óbvio, ele não tem dinheiro para os pagar. Ofereci-me para pagar, e os obrigados e alegria dele compensaram.
Foi com o Bel (responsável pela kil) que tratei da transferência. Na conversa com o Bel para tratar da dita cuja, soube também das novidades da casa nova. A autorização chegou mas, para além do dinheiro que já iriam gastar para a pôr de pé, a solução encontrada pelo governo cambojano foi... à governo cambojano. Podem construir no terreno Apsara, desde que paguem $550.
Mas há mais, uns dias depois chegou o pior. O Bel timidamente pergunta-me se me pode perguntar uma coisa, eu disse claro que sim e a resposta foi esta:
I need buy food for everyone here at kilt i need $120 buy two bags of rice and some of oil and sugar and salt...
I have no sale my jewelry
for the moment
It's some time raining and no tour
if you can't is ok
I will fine someone else
Caiu-me tudo nesse momento. É certo que aquelas crianças não voltam a passar fome sabendo eu disso, mas não são transferências esporádicas que vão resolver alguma coisa. É triste, aqueles tesouros merecem muito mais que arroz e nem isso têm. É frustrante não conseguir fazer nada. Mais o é quando passam dias, uns atrás dos outros, e não consigo saber nada deles.
Quando sei é uma alegria e lá está, eles não se queixam de rigorosamente nada, muito menos pedem o que quer que seja.
A ideia passa por tentar ajudar da maneira que conseguir, há transferências que se podem fazer, há encomendas que se podem enviar, mesmo que as taxas sejam estupidamente caras e uma simples caixa com prendas de Natal que será enviada passe dos 3 dígitos.
E é isto, melhor motivação para trabalhar não posso ter. Quero continuar a ajudar aqueles miúdos, assim como os do touch a life mas o dinheiro que se envia tem que ser bem pensado e, sobretudo, direccionado para uma coisa especifica, assim como as encomendas pensadas. Mais uma vez agradeço a todos aqueles que se juntaram a esta causa e contribuíram com o que puderam.



Para  encerrar o blog, vamos lá falar sobre os meus pequenos GRANDES benfiquistas.
Pequenos grandes benfiquistas... Miúdos que ao primeiro olhar me pareciam todos iguais, mas que são todos eles bem diferentes. 14 miúdos, 14 personalidades bem distintas e vincadas. Trouxe comigo um bocadinho de todos eles. Trouxe comigo as melhores das memórias. Fizeram com que a maior aventura da minha vida se tornasse na melhor e mais enriquecedora experiência. Em 2 meses fizeram-me gostar deles como nunca pensei vir a gostar. 
Com eles aprendi imenso. Olhava-os naqueles olhos, fingia saber umas coisas para ensinar quando, na verdade, eles sabem muito mais que eu. Ensinaram-me o que é a vida, meus mestres. Miúdos que nunca se queixam, lutadores, guerreiros da vida. Exemplos de força e de vontade de viver. Um dia, quando for grande, quero ser como eles.
Fui e já tenho saudades.Tenho saudades das fotos que o Lay insistia em tirar comigo, de andar com a Bonita agarrada a mim e a rastejar na terra, de rodopiar a Sokay sobre mim e de a ver pedir-me ao ouvido por rebuçados sem mais ninguém saber. Saudades das infinitas partidas que a Soklay tinha sempre preparadas para mim, dos abraços e festinhas constantes da Sokim, das gargalhadas e do desembaraço do Sopan ou da sinceridade do Somen. Tenho saudades de mandar o Lay lavar os dentes e ele não querer, da maturidade da Sochea e das horas passadas a ouvi-la, do trapalhão do Sarath e as suas atitudes louváveis, da timidez da Tida e de a ver a tratar dos recém-nascidos. Tenho saudades do vaidoso do Chamrong e da sua alegria natural, saudades das habilidades e cantorias do Chamrang, saudades de desenhar, vender no mercado ou fazer-me acompanhar quase sempre pelo Sovann. Quando for grande, quero ser um bocadinho como todos eles.
Fui e já tenho saudades. Saudades daqueles olhos tornurentos, saudades daqueles sorrisos cheios de amor e carinho, saudades das suas gargalhadas enormes. Saudades daqueles abraços, das suas mãos cheias de terra nas minhas pernas a estranhar tanto pelo, da sua voz a gritar por mim e das suas corridas na minha direcção quando me viam chegar. Saudades de ter 4 ou 5 miúdos às cavalitas e de mão dada comigo para onde quer que fosse. Saudades essas que quero usar para me levarem até eles tantas as vezes que me forem possíveis, de todas as formas que me conseguir.
Além das saudades, ficam as fotos e os videos que descrevem a história mais bonita da minha vida! Aos meus pequenos grandes benfiquistas... um bem-haja. Quando for grande, quero ser como eles.